Se, por um lado, o feito desportivo encheu os angolanos de orgulho e lhe devolveu a mística ganhadora; por outro, a vitória do combinado nacional trouxe à superfície laivos de aproveitamento político e do despesismo por parte do Executivo.
A inesperada presença do Presidente da República na arena do Kilamba, a escassos minutos da final que consagrou Angola como campeã africana diante do Mali, foi um dos sinais evidentes desse aproveitamento político.
No espaço público e nos círculos privados, muitos questionaram as razões que levaram João Lourenço a dar cara só perto do fim do jogo decisivo. Emergiram perguntas, tais como o PR teria marcado presença no evento, caso o jogo não estivesse a correr de feição para Angola? Em caso de um eventual desaire, ele iria associar-se ao fracasso da nossa Selecção, partilhar o sabor amargo da derrota e encarar o fracasso numa desportiva?
O PR não surpreendeu apenas com a sua presença inesperada no pavilhão gimnodesportivo do Kilamba, já quase ao cair do pano, como também procurou obter ganhos políticos ao proceder à entrega do troféu à equipa vencedora. Mas nem com isso ele se livrou das sonoras vaias que ecoaram no recinto, em sinal protesto à forma como tem (des) governado o País.
Não se sabe se por iniciativa própria ou em obediência às conhecidas "ordens superiores", o facto é que a imprensa pública e a turba de apoiantes de João Lourenço quase que atribuíram os louros da vitória à "visão estratégica do PR".
Ninguém em sã consciência pode negar o reconhecimento que a Nação deve prestar aos atletas e à equipa técnica que envidaram todos os esforços para que o nome de Angola voltasse a ser escrito em letras garrafais nos anais da história do basquetebol africano.
Mas, verdade seja dita, a opinião pública e os contribuintes não estavam preparados para assistir à pornografia política que se registou, no calor do entusiasmo, com a atribuição de prémios milionários aos atletas e à equipa técnica de basket, sobretudo nesta fase difícil do "campeonato", em que o País vive uma das suas piores crises económica, financeira e social.
É inegável que os atletas e os demais componentes da Selecção tinham de ser compensados pelo esforço que fizeram em prol do País, sobretudo neste ano em que Angola assinala 50 anos de Independência, mas nada justificava a oferta de casas no valor de 80 milhões de kwanzas e de viaturas do topo de gama de mais 100 milhões, assim como de outros prémios milionários feitos por empresas públicas. Por que não optaram por prémios mais baratos à dimensão da crise económica?
A chuva de ofertas contrasta com a triste realidade que se vive no terreno, com o cenário de miséria que nos rodeia, ao ponto de muitos terem questionado donde o Executivo foi buscar tantos recursos financeiros para contemplar os atletas com bens milionários.
Num país normal, em que o poder está concentrado nas instituições e não na figura do Titular do Poder Executivo (TPE), como acontece em Angola, o Governo seria chamado em sede parlamentar para justificar a origem do dinheiro usado para a compra de casas e carros de luxo para os desportistas. Haverá um "saco azul" fora do Orçamento Geral do Estado (OGE) ou uma espécie de caixa-2 da SONANGOL?
Convém lembrar que o valioso prémio de 25 viaturas do topo de gama dado aos campeões africanos ocorreu poucas semanas depois de a ministra da Saúde ter oferecido motorizadas de três rodas às unidades de saúde para que esses meios rolantes sirvam para transportar os doentes.
Com o dinheiro de um desses "luxos sobre rodas", quantas ambulâncias poderiam ser compradas para transportar os pacientes com algum humanismo e dignidade?
Como foi possível o Executivo disponibilizar verbas para gastos milionários, quando os hospitais estão há vários meses sem verbas para as despesas correntes, sem capacidade para pagar as dívidas aos fornecedores de medicamentos, alimentos e aos prestadores de serviço de limpeza, segurança privada, dentre outros?
Se, no plano interno, os prémios milionários causaram indignação no seio da opinião pública, é muito provável que o acto de despesismo não tenha sido também bem acolhido no plano externo, onde Angola, sobretudo o Presidente João Lourenço, tem procurado atrair o investimento estrangeiro.
Não é crível que o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM) tenham recebido a notícia de bom grado, já que as mesmas instituições têm recomendado ao Executivo angolano a aplicação de medidas de contenção financeira, ou seja, de redução dos gastos com as despesas públicas.
Faz sentido um país oferecer prémios milionários aos desportistas, quando anda de mão estendida ao crédito ou à caridade alheia, numa procura estonteante de dinheiro fresco no estrangeiro, ao ponto de contrair kilapis com elevadas taxas de juro?
Com os cofres do Estado à beira da bancarrota e o povo obrigado a consentir uma miríade de sacrifícios, João Lourenço passou, uma vez mais, ao lado da crise para enaltecer o seu ego e tentar resgatar a popularidade perdida à conta da sua má governação.
Dito de outro modo, conferiu mais importância aos atletas que ganharam uma taça continental do que aos "mais de 12 milhões de pessoas que em Angola passam fome ou têm dificuldades para o acesso aos alimentos", segundo dados divulgados pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
Lamentavelmente, a pobreza em Angola não se restringe apenas à falta de alimentos e da segurança alimentar, mas também está associada às débeis condições de habitabilidade, ausência de saneamento básico e elevadas taxas de morbilidade e mortandade.
Mais do que um acto de despesismo e insensibilidade à dor alheia, a aquisição das viaturas de luxo gama e de casas representa um sinal exterior de riqueza em contraste com a extrema miséria de milhões de angolanos.
A propensão para os sinais exteriores de riqueza e pela mania das grandezas tem feito que os critérios de prioridade sejam sistematicamente invertidos, sendo um dos exemplos dos que existem à mão de semear a construção de hospitais de "luxo" e a ausência de verbas orçamentais para o seu normal funcionamento.
Em sentido contrário, o País continua a ter uma classe política e governativa milionária, com altos padrões de vida, e detentora de enormes riquezas, não só em Angola, como também no estrangeiro, sobretudo na Europa e em "paraísos fiscais".
Os que conhecem a triste realidade angolana, sobretudo os que vivem na carne e alma as vicissitudes do quotidiano, sabem que João Lourenço e os seus auxiliares estão longe de levar a cabo um combate sério para erradicar a pobreza em todas as suas formas e dimensões, incluindo a pobreza extrema. Pelo contrário, o homem, que prometeu produzir um "milagre económico" está cada vez mais a decepcionar e mostra-se distante das suas inúmeras promessas de melhoria das condições de vida dos angolanos.