Depois de na quarta-feira, 13, ter estado a falar, por videoconferência, com o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e com os líderes europeus, se as expectativas já estavam a ser esmagadas a quase nada, Donald Trump colocou tudo a zeros ao ameaçar Putin com "consequências muito severas" se não ceder e aceitar as suas condições para um cessar-fogo.
Não está a correr mesmo nada bem o arranque desta novela que começou, na passada semana, até muito promissora, com Trump a anunciar, com estrondo, um tête-à-tête com Vladimir Putin do qual sairia o fim da guerra na Ucrânia, porque nenhum analista contava que os dois líderes das duas maiores potências militares do mundo reunissem sem que antes as suas equipas técnicas tivessem já desenhado o grosso do acordo a assinar, ou, pelo menos, o seu esboço avançado.
Mas não. Com Trump tudo é possível e, afinal, a conversa é apenas, disse, mudando a agulha e baixando as expectativas, para "sentir" o que pensa e até onde pode ir o chefe do Kremlin nas cedências a Kiev como contra-partidas para a paz, sem que exista qualquer "draft" de comunicado pronto previamente para divulgar ao mundo quando zarparem do "Ancoradouro".
Alguns analistas, entre os mais dotados, como John Mearsheimer, da Universidade de Chicago e reconhecido especialista em geoestratégia, têm procurado esvaziar o balão das expectativas exageradas porque "a Rússia tem uma posição conhecida e consolidada quanto às condições mínimas para acabar a guerra" e essas não mudaram nada, sendo que, pelo contrário, o que o Kremlin tem feito e sublinhar precisamente isso, que essas condições se mantêm.
Perante este cenário agora pouco promissor, uma nesga de esperança é o que se seguira em termos de reaproximação diplomática entre russos e norte-americanos, que estão em escombros desde a invasão da Ucrânia a 24 de fevereiro de 2022, durante a Administração Biden, que é o anúncio de um segundo encontro com Putin, desta feita na Rússia, e um terceiro, a que se juntará Volodymyr Zelensky, onde, então, os Presidentes russo e ucraniano assinarão um documento com compromissos claros que a todos satisfaçam.
Para já, nada disso está garantido, sendo apenas palavras saída da ventosa cabeça de Trump, que, no que diz respeito à política externa dos EUA, é um marinheiro que vai com as correntes e realinha as ideias, como nota o analista militar Agostinho Costa, de acordo com o que ouve do seu último interlocutor.
Um sinal de que Trump quer mesmo arrumar a casa no que respeita à relações com Moscovo, foi o anúncio, igualmente surpreendente da suspensão temporário, cerca de uma semana, das sanções norte-americanas à Rússia, e ainda do anúncio de que, afinal, Washington não tem na agenda a discussão com no líder russo de trocas ou cedências de territórios na Ucrânia.
Neste momento, o que emerge do frenesi diplomático entre os europeus, os EUA e a Rússia, que tem mantido os seus aliados a par dos desenvolvimentos, especialmente a China, em sucessivas chamadas telefónicas, é que Trump parece estar a ceder à pressão dos seus últimos interlocutores, que, claramente, querem impedir por todos os meios um entendimento sólido com Putin.
Zelensky, por um lado, mantém, tal como os líderes europeus mais empenhados na continuação da pressão militar sobre a Rússia através dos ucranianos, como o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, ou o chanceler alemão Friedrich Merz, a condição de que não pode haver quaisquer negociações sem as suas presenças, e, a par dessa condição, não admitir quaisquer perdas de soberania ucraniana naquilo que vier a ser um eventual acordo de paz.
Perante este cenário, o que é mais certo de esperar é que Vladimir Putin já tenha percebido que esta ida a Anchorage, pelo menos no que diz respeito à guerra na Ucrânia, tem valor nulo e que a Rússia vai ter mesmo de alcançar os seus objectivos pela via militar, como, por exemplo, acredita que vai acontecer Jacques Baud, antigo oficial da intelligentsia suíça com uma década integrado na NATO e autor de vasta obra sobre este conflito.
O coronel Jacques Baud defende mesmo que, perante a situação de derrota iminente da Ucrânia na frente de guerra, com as posições de Kiev a serem trespassadas em vários locais, avançando as unidades russas como não sucedia desde o início da invasão, seria de estranhar que Vladimir Putin acabasse por ceder em quaisquer das suas condições principais para terminar as hostilidades.
O mesmo parece ser traduzido pelo pouco que os russos têm dito sobre este tête-à-tête entre Trump e Putin, com Yuri Ushakov, um dos principais assessores do Kremlin para a política externa, a enfatizar que este é um encontro que acontece no contexto do reatar das relações diplomáticas com os EUA, que nunca estiveram tão más, mesmo durante a Guerra Fria.
Recorde-se que, enquanto Zelensky e os seus aliados europeus, empenhados em garantir que nada acontece sobre o conflito sem que sobre isso tenham uma palavra a dizer, incluindo as questões territoriais ou mesmo a adesão eventual de Kiev à NATO, do lado russo, pelo menos desde Julho de 2024, que nada muda no que respeita ao que o Kremlin considera os mínimos.
A Federação Russa, de acordo com esse discurso histórico de Putin no ano passado, não mexe uma linha da ideia de que as cinco regiões anexadas em 2014 (Crimeia) e em 2022 (Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporizhia) são integralmente parte dos seus territórios constitucionais, sem excepções, a adesão da Ucrânia à NATO é carta fora do baralho sem possibilidade de negociar, e a desmilitarização da Ucrânia tem igualmente o seu desenho feito e é intocável.
Perante esta disposição de ambos os lados não for alterada por um acontecimento extraordinário, pelo surgimento de um "cisne negro" a sobrevoar o "Ancoradouro" onde vão atracar Putin e Trump, ou se, apertado pelos avanços russos na linha da frente, e o risco de colapso das posições ucranianas, com todos as consequências que isso implicaria, Zelensky não alterar radicalmente o seu finca-pé maximalista, então será com a guerra pela proa que os líderes das duas maiores potências nucleares do mundo vão zarpar do Alasca.