Sonhamos um país capaz de apostar na educação e na qualificação das pessoas, na saúde, na luta contra as doenças e contra a pobreza. Um país capaz de dinamizar a agricultura e a indústria transformadora, um país que não ficasse refém do modelo de produção de matérias-primas brutas para a exportação e fugisse à conhecida "maldição dos recursos naturais e do petróleo" e aos efeitos da famosa doença holandesa. Mas este sonho falhou clamorosamente. Importa hoje perceber porquê, para que, daqui a 45 anos, as novas gerações possam celebrar um país melhor e diferente.

Na noite de 11 de Novembro de 1975, a jovem nação angolana nasceu no meio de uma luta fratricida. O parto foi difícil e, naquele momento inicial e único, pelo qual gerações e gerações de patriotas angolanos se bateram, as palavras do Presidente conviviam com o barulho ensurdecedor dos morteiros que deflagravam em Kifangondo e noutros pontos dos arredores de Luanda.

Os sinais larvares da guerra civil estavam no ar, a intromissão das potências estrangeiras já era visível, os americanos e o Zaire de Mobutu tomavam partido, a ingerência da África do Sul estava em marcha e o regime que nascia procurava a protecção de Cuba e da União Soviética.

Angola foi palco, em 1975 e 1976, das guerras de intervenção externa em conluio com os aliados internos, e que rapidamente se transformaram numa longa Guerra Fria por procuração que se ia estender por mais 16 anos, de 1976 a 1991. As guerras são um pesadelo. São autofágicas, consomem os recursos e as energias de uma nação e deixam destruição, morte e pobreza.

Depois de uma longa luta de libertação nacional contra o regime colonial português, Angola enfrentou uma das mais longas guerras de intervenção, em que as duas superpotências - EUA e URSS - se digladiaram através dos seus representantes locais. Mas, em Maio de 1991, com o Acordo de Bicesse, Angola viveu um breve período de paz que se estendeu até Setembro de 1992. Foram 17 meses de usufruto dos dividendos da paz, depois de um oceano desastroso de guerra, e esse período mostrou o que era possível fazer, desvendou o que podia ser a liberdade e a construção do futuro, criou optimismo e esperança. Mas foi sol de pouca dura. Em Novembro de 1992, começou a guerra civil, a mais cruel de todas, que durou mais 10 anos e levou a nação angolana, que já estava depauperada, à exaustão.

As lições que podemos tirar daqui são claras e mostram as causas do fracasso. A primeira é a fraqueza das lideranças políticas angolanas e a incapacidade dos movimentos de libertação se transformarem de máquinas de guerra em construtores do futuro. A segunda é a indigência política que, à primeira dificuldade, foge para os braços fáceis dos protectores externos em vez de construir a unidade interna, de criar uma grande plataforma política capaz de mobilizar a maioria das forças politicas e sociais para a construção da paz, da democracia, do desenvolvimento e da prosperidade e bem-estar para a nação angolana.

A clamorosa fraqueza das elites políticas angolanas, a sua subserviência aos protectores externos, a completa falta de visão sobre as necessidades e as urgências do País e do povo e sobre o imperativo de criar instituições novas e de qualidade e um sistema de governação capaz e inclusivo, é ainda hoje um dos factores maiores que explica o fracasso. A fragmentação dos movimentos de libertação e a sua incapacidade política criaram as condições para uma guerra prolongada no País, que sucedeu a uma prolongada luta de libertação nacional, e este é o terceiro factor-chave.

A guerra é uma armadilha que potencia o centralismo, distorce a governação, afirma o paradigma vicioso do Partido-Estado e polariza o presente e o futuro. E o povo angolano, a vítima maior deste suicídio político, viu-lhe serem negados os benefícios da paz, da prosperidade e de uma vida digna. O País deixou-se enredar na pior das armadilhas, que explica muitas vezes a pobreza e o fracasso das nações: a do conflito armado prolongado que suscita e cria as condições de um poder cada vez mais centralizado e autoritário e reforça a má governação. Este é o quarto factor e leva ao mau uso dos dinheiros públicos, à militarização do Estado, à corrupção das elites e à negligência total da educação, da saúde e do bem-estar do povo. Era impossível fazer pior. E quando finalmente a guerra terminou, em Fevereiro de 2002, com a morte de Jonas Savimbi, e se podia vislumbrar o início de um período novo, os velhos vícios estavam todos bem implantados.

A paz não só não permitiu ao País sair da armadilha, mas viu esta aumentar e fazer o seu trabalho com a má governação e o poder centralizado agora ainda mais à vontade com os imensos recursos financeiros proporcionados pelo boom dos preços das matérias-primas, em particular do petróleo, que coincidiu com o fim da guerra e atravessou a década inicial do século XXI. Os principais factores continuaram, todos eles, a conspirar contra o bem-estar do povo angolano. O quinto factor, que ficou ainda mais visível, é o modelo de desenvolvimento económico e social que prevaleceu e serviu o regime. É o modelo baseado numa economia rentista que vive do dinheiro fácil do petróleo, asfixia todas as possibilidades de desenvolvimento dos outros sectores económicos, penaliza gravemente a agricultura e a indústria transformadora, desertificando-as porque é melhor importar tudo, incluindo os bens alimentares, num país que tem solos muito férteis e podia ser um dos celeiros de África e do mundo.

Os efeitos da doença holandesa e da dependência excessiva do petróleo impedem o desenvolvimento de outros sectores da economia e afecta gravemente a competitividade do País. Para os superar, são necessárias políticas públicas consistentes e uma visão completamente diferente sobre a economia de que o País precisa para gerar riqueza e prosperidade para todos. A fraqueza das políticas públicas é o sexto factor que explica o fracasso. E não adianta anunciar retoricamente a diversificação da economia, sem alterar o quadro mental, porque as políticas e a visão erradas vão prevalecer, as reformas de fundo não são feitas, é mais simples viver da renda fácil e distribuí-la por alguns privilegiados que vão rodopiando nos círculos do poder. Toda esta combinação tóxica de factores penaliza fortemente o povo angolano, ameaça o seu futuro e bloqueia o País.

Neste contexto, o que pode Angola fazer para construir o futuro? Daron Acemoglu e James Robinson, no seu livro "Porque é que as Nações falham?", mostram que os três factores que explicam o sucesso das nações são a qualidade das suas instituições, a inteligência nas políticas públicas, em particular na economia, e a capacidade de criar mercados inclusivos. O caminho para o futuro de Angola tem de começar pelas suas instituições e pela sua governação, tem de passar pela transparência e a prestação de contas, pelo combate sem descanso à corrupção, pela reforma profunda da Administração Pública com o seu rejuvenescimento, a digitalização dos processos e modelos de trabalho, a descentralização das decisões e o maior escrutínio público das decisões. Tem de passar por uma aposta forte na capacitação das pessoas, na educação, na qualificação da população, no desenvolvimento das competências, no investimento na saúde e na ciência e tecnologia. Como disse Amartya Sen:" A liberdade não é nada sem a capacidade". Angola tem de passar para um novo modelo de desenvolvimento económico que entre em ruptura com a economia rentista e use as receitas do petróleo e gás para desenvolver os outros sectores da economia começando com a agricultura e com a indústria transformadora.

Angola pode produzir os seus bens alimentares, pode alimentar o seu povo, pode apostar no desenvolvimento rural e nos mercados de trabalho, pode atrair investimento e dinamizar múltiplos sectores da sua economia, tendo em conta que são as empresas que criam riqueza. Ao mesmo tempo Angola deve reorganizar os serviços públicos, em particular saúde e educação, pode sair da armadilha da pobreza, lutar contra as desigualdades, que são iníquas, e proporcionar uma saída decente aos 80% da população que vive abaixo do limiar da pobreza, e que é inaceitável. O novo modelo económico tem de ser inclusivo, integrar o maior número de pessoas na actividade económica e servir de facto o país. O caminho tem de passar por políticas públicas activas orientadas para servir as pessoas e as empresas, resolver problemas, assegurar o funcionamento equilibrado do mercado, assegurar condições de concorrência leal e criar as bases para reforçar a economia nacional diversificando-a de forma sustentada com novos modelos de gestão na administração e uma moldura reguladora adequada sem esquecer os recursos humanos necessários.

África vai ser o continente do futuro neste século e não só pelo impacto demográfico, tendo em conta que é o continente que vai crescer mais a par da Ásia. No século XXI, entre 2003 e 2013, África foi capaz de fazer crescer o seu rendimento em cerca de 30% ao contrário das décadas anteriores onde existiram quedas apreciáveis. O caminho da prosperidade é possível e mais rendimento significa mais bem-estar e mais esperança, desde que seja bem distribuído e a economia seja mais justa e coesa.

O Acordo de Comércio celebrado em 2019, envolvendo 54 dos 55 países africanos, é essencial para o futuro. África é o continente em que o comércio entre as suas nações é mais baixo, cerca de 15%, comparando com 58% na Ásia e 67% na Europa. O comércio cria riqueza, pacifica as relações internacionais, e hoje, quando outras áreas do mundo fazem guerras comerciais, é importante África aumentar o comércio intra-africano. Neste contexto esta pode ser outra saída para Angola que tem todas as condições para ser um dos grandes "hubs" portuários, comerciais, logísticos e energéticos de toda a África Austral.

O caminho vai ser difícil porque não é fácil mudar um país, mas Angola merece ser reinventada para dar prosperidade e bem-estar ao seu povo cujo sofrimento tem sido indizível.

* Professor e gestor