Contudo, não podemos deixar de assinalar que nesta conversa está-se a perder de vista o facto de que hoje em Angola o acesso a moeda externa é fortemente controlado pelo Banco Nacional de Angola nas vestes de banco central e isso tem outras implicações.

Partimos do princípio que compreendemos, para o caso de Angola, que um Kwanza forte pode ser bom (a curto prazo) para os consumidores que têm as suas poupanças em moeda nacional mas que, a longo prazo, acaba por desencorajar a produção nacional, fazendo acentuar ainda mais a dependência dos recursos financeiros provenientes da venda de recursos naturais para sustentar a importação de produtos acabados.

Esta situação num contexto em que as RIL de Angola registam uma queda progressiva desde 2013 não seria viável. Uma solução, muitas vezes proposta, passa por desvalorizar a moeda nacional, por forma a tornar mais competitiva a produção nacional e desta forma incentivar a exportação, e por essa via enfraquecer o poder de importação de produtos acabados.

O problema desta solução, no actual contexto angolano, não é apenas o processo eleitoral em curso e o custo político que uma medida de desvalorização da moeda acarreta. Existe a necessidade de compreendermos que em Angola já existe uma forte restrição no acesso a moeda externa e isso faz com que contrariamente ao que nos indicam os manuais - i.e. desvalorização da moeda (A) dificulta acesso a divisas (B) redução das importações(C) incentiva a produção local de bens e serviços (D) de onde se depreende que B (dificultar acesso a divisas) é necessário para D (incentivar a produção local de bens e serviços) ter lugar, podemos afirmar que já existe B (dificuldade de acesso a divisas) sem A (desvalorização da moeda).

Pelo que, propor A (desvalorização da moeda) como solução para D (incentivar a produção local de bens e serviços), em nosso entender, pode não ser a melhor opção.

Tal medida poderia ter um efeito adverso naquelas indústrias que precisam de (1) renovar os equipamentos, (2) assistência técnica especializada temporária num contexto de renovação de equipamentos, (3) por tempo determinado importar matéria-prima localmente indisponível.

Esta posição (1 e 2) é sustentada pelo Anuário de Estatística de Comércio Externo-2016 do INE que nos indica que a importação de máquinas e aparelhos representa 24,71% da estrutura de importação de Angola (a maior fatia).

Numa outra comunicação indicamos que a intervenção do banco central i.e. o BNA, neste cenário, deveria ser no sentido de "capitalizar preferencialmente o sector produtivo", através da identificação (por meio de uma política industrial selectiva gizada pelos órgãos competentes do Executivo) "daquelas indústrias que se mostrassem viáveis de a médio prazo tornarem-se competitivas a nível regional e global, com forte potencial de crescimento no que toca à criação de empregos (necessários para as economias em transição), receitas e volume para exportação" trazendo divisas para a economia.

Tal medida acoplada a uma política de incentivo ao repatriamento dos dividendos dos investimentos angolanos no exterior (em 2015 passou a fasquia dos 20.000 milhões de dólares norte-americanos, quando neste momento as RILs de Angola situam-se a volta dos 18.026 milhões de dólares norte-americanos) contribuiria para que as empresas fizessem "o fluxo financeiro das divisas para a economia" conforme desejo expresso pelo senhor Governador do BNA numa entrevista.

Contudo, se olharmos para os dados do Anuário de Estatística de Comércio Externo-2016 notamos que os combustíveis representam 92,97% das exportações e que contrariamente ao que nos apresenta as Linhas Mestras para a Definição de uma Estratégia para a Saída da Crise Derivada da Queda do Preço do Petróleo No Mercado Internacional os produtos identificados como exportáveis a curto prazo continuam a espera de melhores dias.

Apresentado desta forma podemos ver que não se está a fazer chegar recursos a aqueles sectores e produtores que poderiam rapidamente gerar um efeito multiplicativo essencialmente por via do aumento da demanda intersectorial.

De facto, um estudo feito pelo BNA em 2013, Estudo do Desenvolvimento Equilibrado da Função de Crédito na Economia Angolana, mostra-nos que deixar que o mercado regule por si só o processo de alocação de recursos (no caso crédito) num país em transição, como Angola, parece ter impossibilitado que o sector produtivo, aquele capaz de gerar empregos sustentáveis em especial para a juventude, tivesse os recursos financeiros de que necessita para se reerguer e transformar a economia.

Ao invés disso, o BNA, através deste estudo, identifica o sector de serviços seguido do comércio como os maiores beneficiários de crédito em Angola. Pelo que, mais do que priorizar uma desvalorização da moeda para retoma do crescimento económico, Angola, através do BNA e do seu Governador, precisa sim de rever o actual processo de alocação de divisas. Acreditamos que continua ainda válida a questão colocada anteriormente, i.e. "terá o BNA e o seu Governador a capacidade de monitorizar e assegurar que as divisas disponibilizadas sejam canalizadas para o sector produtivo e não usadas na aquisição de propriedades e bens de luxo no exterior?" a resposta até ao momento, infelizmente, não é positiva.

Fernandes Wanda é docente e Investigador no Centro de Investigação Social e Económica da Faculdade de Economia, Universidade Agostinho Neto. O seu último artigo "Understanding Post-War Foreign Direct Investment in Angola: SouthSouth led or the West Still Rules?" publicado no Journal of Southern African Studies, 43 (5) está disponível em: http://www.tandfonline.com/eprint/VIe782M9WQesCFnPwWFh/full