Com a presença do ministro das Relações Exteriores, Manuel Augusto, e do ministro do Interior da República Democrática do Congo (RDC), Gilbert Kankonde Matamba, o Uganda e o Ruanda sentaram-se à mesa em Kigali, capital ruandesa, onde definiram os sete primeiros pontos concretos para fazer avançar o Memorando de Entendimento de Luanda (MEL).

Um dos compromissos assumidos agora passa por acabar com todas as acções de desestabilização entre os dois países, o que determina que ambos os Exércitos e forças de segurança respeitam integralmente as fronteiras reconhecidas, o que é uma das situações mais vezes denunciada de um e do outro lado.

Outro dos pontos inseridos nesta lista de sete assume especial importância porque, naquilo que é uma longa tradição na região, ambos os países acordaram em cessar de imediato, como anunciou o gabinete de comunicação do Ministério das Relações Exteriores angolano, "todas as formas de propaganda hostil nos meios de comunicação social".

O encontro ocorreu na segunda-feira e as partes vão voltar a sentar-se à mesa, desta feita em Kampala, capital do Uganda, dentro de um mês, para verificar o grau de cumprimento destes sete pontos e afinar agulhas para avançar de forma mais aprofundada para o que é o essencial do documento assinado em Luanda, que passa por extinguir todas as questões que estão por detrás da animosidade entre os dois Estados, que, nos últimos meses, levou mesmo a algumas escaramuças fronteiriças entre as respectivas forças de segurança.

Recorde-se que Angola e a República Democrática do Congo integram esta comissão enquanto observadores e facilitadores do esperado entendimento, que resulta ainda da urgente necessidade de encontrar uma solução para acabar com as guerrilhas e grupos de milícias que há décadas, pelo menos desde a década de 1990, mantêm o leste da RDC a ferro e fogo, criando insegurança estrategicamente para melhor poderem explorar ilegalmente os recursos naturais da região, desde os diamantes ao raro e muito procurado coltão.

Entre os pontos acordados estão ainda um conjunto de regras para troca de cidadãos detidos em ambos os países e originários de ambos os países, garantindo que a ausência de registo criminal de uns e outros é garante de libertação.

Luanda, momento decisivo

Esta reunião é o primeiro resultado concreto do documento assinado a 21 de Agosto em Luanda pelos Presidentes do Ruanda, Paul Kagame, e do Uganda, Yoweri Musevini, que deverá ser um "mapa" para encontrar a paz e a segurança definitivas entre estes dois países mas também para toda a turbulenta Região dos Grandes Lagos, que contou com a participação activa do Presidente angolano, João Lourenço, na sua preparação.

O Memorando de Entendimento de Luanda foi firmado sob os auspícios de João Lourenço e de Félix Tshisekedi, Presidente da República Democrática do Congo (RDC), tendo assistido à cerimónia que teve lugar em Luanda o Presidente Denis Sessou-Nguesso, do Congo-Brazzaville.

"Agradeceço ao Presidente João Lourenço e ao Presidente Tshisekedi pelo trabalho e aconselhamento que forneceram neste processo que permitiu juntar-nos, ao Presidente Musevini, do Uganda, e a mim (Kagame), para resolver quaisquer problemas que existiam entre os nossos dois países", escreveu Kagame de imedioato na sua página do Twitter, tendo acrescentado noutras publicações que os dois Chefes de Estado foram fundamentais, com a sua "atitude fraternal", para este desfecho.

Nestes tweets, Paul Kagame admite que o documento tem uma abrangência mais lata que a questão confinada aos dois países, o que compreende a sua visão de que ao resolver e acertar agulhas entre o Uganda e o Ruanda, toda a região dos Grandes Lagos absorve ganhos substanciais, como é disso exemplo directo e mais próximo a RDC.

Após a assinatura do documento, João Lourenço, lembrou a importância deste momento como "exemplo" para todo o continente de que "todas as diferenças e disputas devem ser resolvidas pelo diálogo".

O Chefe de Estado angolano, um dos motores que impulsionaram este desfecho, sublinhou a importância de todos se "absterem de condutas que possam ser vistas pela outra parte como lesivas dos seus interesses", sejam económicos, sejam de âmbito da segurança nacional.

Lourenço elogiou com vigor Kagame e Musevini por se terem movido por sentimentos que colocaram em destaque o interesse dos seus povos, sublinhando que "África e o mundo seguem com especial interesse o resultado alcançado em Luanda.

Um longo caminho percorrido

Este encontro foi uma extensão da reunião que teve lugar em Julho, também na capital angolana, e de um anterior, na RDC, na localidade de N"Sele, a 01 de Junho e sobre ele existia a expectativa de ser um ponto final no prolongado cenário de conflito no leste da RDC e entre os dois pequenos, mas estratégicos, países dos Grandes Lagos, o Uganda e o Ruanda, cujas relações se deterioraram bastante nos últimos meses, a ponto de terem surgido acusações mútuas de invasões militares dos respectivos territórios.

A par deste problema localizado entre Ruanda e Uganda, neste encontro de Luanda esteve ainda colocada a forte expectativa de que seja o início de um processo de limpeza dos grupos que estão por detrás da violência que há décadas perturba o leste do Congo, especialmente as guerrilhas com origem no Uganda, as ADF, e no Ruanda, as FDLR- ou outros grupos sucedâneos, bem como as milícias locais, quase todos criados na década de 1990, no rescaldo do genocídio de mais de 800 mil tutsis no Ruanda pela maioria Hutu.

O Chefe de Estado angolano esteve por detrás, na primeira linha deste esforço para abrir o caminho para a paz definitiva nos Grandes Lagos, uma das regiões mais ricas do continente africano mas, ao mesmo tempo, uma das mais conflituosas.

Em Julho, em Luanda, os quatro lideres fizeram um esboço do que era pretendido ver consolidado num acordo definitivo entre Kigali e Kampala que, já este ano, chegaram a estar de fronteiras encerradas, num pico de tensão que levou estes dois países para a beira da confrontação militar.

Mas o objectivo é ir mais longe no vasto rasto de violência que abrange os grupos de guerrilha e milícias no leste da RDC, que, segundo vários organismos internacionais, contam com apoios fora das fronteiras do Congo, especialmente dos dois vizinhos mais importantes, o Ruanda e o Uganda, cujos interesses passam, ainda segundo as mesmas fontes, pela exploração dos ricos recursos naturais existentes na parte congolesa, nomeadamente as províncias dos Kivu, Norte e Sul.

O que está em cima da mesa é ainda a extensão destes acordos à criação de condições para o desenvolvimento da região, a integração de todos aqueles que fizeram da participação nas guerrilhas e nos grupos de milícias, como o famigerado M23, em actividades económicas que sejam atractivas, fechar os canais de apoio e financiamento a este grupos e lançar as bases para uma efectiva integração regional, que, por exemplo, do ponto de vista de Angola, tem como ponto central o potencial económico dos seus portos para exportar os recursos naturais legalmente explorados na área, e outras.

Recorde-se que a União Africana, através do seu Conselho de Paz e Segurança (CPS), já anunciou que vai adoptar o resultado da Cimeira de Luanda para a definição das suas decisões e elaboração de políticas sobre a Região dos Grandes Lagos.