Em Washington há semanas que se percebia estar a crescer o incómodo com a postura arrogante de Netanyhau perante os pedidos de Joe Biden para baixar a intensidade militar na Faixa de Gaza para evitar a morte de civis e agora a corda rebentou na forma de decreto executivo onde o Presidente dos EUA ordena a aplicação de sanções a líderes israelitas dos colonatos na Cisjordânia que têm atacado residentes palestinianos das terras que ocuparam ilegalmente.

Este momento, onde os EUA mostram os dentes a Israel pela primeira-vez em décadas, separa a fase inicial de apoio incondicional a Telavive na resposta ao ataque do Hamas sobre o sul de Israel a 07 de Outubro, quando o secretário de Estado Antony Blinken, 48 horas depois, foi a Israel dizer que estava ali como governante da maior potência militar do mundo para os apoiar mas também como judeu.

E o decreto executivo assinado por Biden surge ainda num contexto em que o Tribunal de Justiça Internacional (TIJ) tem Israel sob o radar do seu colectivo de juízes, depois da acusação da África do Sul de genocídio em Gaza, ordenando a Telavive medidas concretas para evitar actos genocidas e mantendo a investigação sobre o cerne da acusação de Pretória a decorrer.

Também para Washington os mais de 27 mil mortos provocados pelos bombardeamentos israelitas na Faixa de Gaza, dos quais 12 mil crianças e oito mil mulheres, e cerca de 80 mil feridos, começa a ser impossível de digerir, até porque se sucedem os protestos populares nas acções de campanha de Joe Biden para as Presidenciais de Novembro próximo contra a inércia norte-americana para travar esta carnificina que está a ser diariamente televisionada para todo o mundo.

Os analistas entendem que esta ordem executiva de Biden a incidir sobre os líderes israelitas dos colonatos na Cisjordânia é um primeiro aviso e uma demonstração de que o limite da tolerância para com Netanyhau foi atingido, anunciando que os próximos passos serão sancionar membros do Governo e das Forças de Defesa de Israel (IDF).

As primeiras medidas sancionatórias incidem sobre as finanças desses colonatos selvagens na Cisjordânia e também sobre os vistos de entrada nos EUA para os líderes dessas novas invasões de território palestiniano, na maioria realizadas por judeus armados e com o apoio de unidades militares que são a efectiva entidade da ocupação israelita tanto na Cisjordânia como em Jerusalém Oriental.

A Palestina está hoje dividida em três realidades políticas distintas, sendo a única com autoridade exclusivamente palestiniana a Faixa de Gaza, embora isso possa estar prestes a mudar radicalmente se Israel, como alguns dos ministros do Governo de Netanyhau já admitiram, vier a reocupar o território, o Estado de Israel e a Palestina ocupada por Israel que é a Cisjordânia e Jerusalém Oriental, apesar de ali estar sedeada a Autoridade Palestina liderada por Mahmoud Abbas.

Segundo as agências, nesta ordem presidencial, Joe Biden refere que a violência sobre os palestinianos civis por parte dos colonos israelitas "atingiu níveis intoleráveis" e é hoje uma "ameaça séria à paz, segurança e estabilidade" na Palestina e no Médio Oriente, acrescentando que estas acções violentas "minam a política externa norte-americana", incluindo a "solução de dois Estados".

A solução dos dois Estados é o core dos acordos de Oslo, assinados em 1993 pelo então líder da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, e o primeiro-ministro israelita, Yitzhak Rabin, era Bill Clinton Presidente dos EUA, embora nunca tenham sido efectivados devido à resistência israelita, o que foi possível depois de o chefe do Governo que por eles deu a cara ter sido, em 1995, assassinado por um judeu radical, em Telavive, numa acção que muitos admitem ter sido desenhada para destruir essa solução dos dois Estados.

Como sublinham alguns analistas, este passo agora dado por Joe Biden não é apenas raro, é um claro afastamento, no que a este assunto diz respeito, entre o Presidente e o seu chefe da diplomacia, Antony Blinken, acusado de, nos seus repetidos périplos pelo Médio Oriente, ter estado sempre ao lado dos interesses de Telavive e das suas posições radicais, apesar das retórica de defesa da redução da intensidade militar das IDF em Gaza para evitar mortes de civis.

Alguns analistas apontam ainda como razão para este raro passo de Biden a necessidade de estabelecer um novo paradigma que lhe permita agir contra o Irão após a morte de três soldados numa base na Jordânia sem que isso leve a uma escalada para uma guerra aberta entre os EUA e o Irão.

Novo cessar-fogo em construção

Entretanto, numa altura em que a Faixa de Gaza vive o seu momento mais dramático desde o início da ofensiva israelita a 07 de Outubro, com 1,2 milhões dos 2,3 milhões de habitantes deste território a viverem sem tecto, com a fome a generalizar-se, as 36 unidades de saúde todas destruídas, total ou parcialmente, as doenças infecciosas a fazem já mais mortes que as bombas, sem água potável e com os camiões de ajuda humanitária retidos nas fronteiras de Israel por judeus radicais, o Hamas e Telavive estão a negociar um novo acordo de cessar-fogo.

Gaza é um território com a maior densidade habitacional do mundo, mais de 6.500 habitantes por km2, com apenas 365 kms2, estendidos por uma faixa de 40 kms por nove de largura, e qualquer cessação das hostilidades vai poupar centenas de vidas, porque, actualmente, estão a morrer, em média, cerca de 200 pessoas a cada 24 horas, a maior parte crianças e mulheres.

O acordo para cessar-fogo está a ser negociado há três semanas, envolvendo as secretas dos EUA, de Israel, do Egipto e o Governo do Qatar, que dá a cara pelo Hamas, cujo líder máximo, Ismail Haniyeh, está esta semana no Cairo, à frente de uma delegação, para discutir com as autoridades egípcias os termos desse acordo.

Fontes citadas pelo israelita The Times of Israel apontam para a forte probabilidade de ambas as partes aceitarem um cessar-fogo de seis semanas, que incluiria a libertação de uma parte dos israelitas detidos pelo Hamas desde o assalto ao sul do país de 07 de Outubro, por troca com prisioneiros palestinianos nas cadeias israelitas, deixando algumas das fontes ligadas às negociações a possibilidade de este entendimento pressupor garantias de ambos os lados de que os combates não serão reiniciados após o fim destas tréguas.

Se se apagar o fogo em Gaza, deixam de cair faíscas no Médio Oriente

As notícias veiculadas nas últimas duas semanas são difusas, porque começaram com um encontro em Paris envolvendo as secretas de Israel, do Egipto e dos EUA, além do Governo do Qatar, que é o "avatar" do Hamas, e estão agora no Cairo, para onde seguiu já nesta quinta-feira o líder do Hamas, Ismail Haniyeh (estes dados são sempre narrativas ficcionadas criadas por razões de segurança), para acertar agulhas sobre um plano alargado de cessação das hostilidades entre as forças israelitas e os combatentes do Hamas.

Se este plano for bem-sucedido, todos os fogachos acesos no resto da região acabarão por se extinguir, com maior ou menor brevidade, porque todos eles, da fronteira israelo-libanesa ao Mar Vermelho, são originários da mesma faísca histórica que é a ocupação da Palestina por Israel deste 1948.

Plano esse que, segundo avançam as agências, passa por acertar o período, de até seis semanas, para o cessar-fogo, e as condições subjacentes, que é a libertação de detidos nas mãos do Hamas,e prisioneiros palestinianos das prisões israelitas levados para Gaza no contexto do ataque de 07 de Outubro, para desenrolar em três etapas.

Na 1ª etapa, seriam libertados os prisioneiros civis israelitas nas mãos do Hamas, crianças, mulheres e doentes, em troca de prisioneiros palestinianos mantidos nas prisões israelitas, seguindo-se a saída das forças israelitas de Gaza e o início da reconstrução do território devastado pelas bombas israelitas.

No território falta de tudo e o cenário tende a piorar depois de os países ocidentais, EUA, Reino Unido, Alemanha, Itália, terem retirado o apoio financeiro à agência da ONU para a Palestina, a UNRWA, porque Israel acusou, sem provas demonstradas e sem uma investigação independente, alguns dos seus funcionários locais de terem ajudado o Hamas no ataque de 07 de Outubro.

Em causa está o comportamento de 10 indivíduos, já suspensos preventivamente pela ONU, num universo de mais de 30 mil funcionários ao serviço da UNRWA, espalhados entre Gaza e a Cisjordânia, além dos países vizinhos onde existem refugiados palestinianos, como a Jordânia e o Líbano, essenciais para ajudar mais de 10 milhões de pessoas, mais de 5 milhões dependentes de ajuda directa.