Os Estados Unidos estão obrigados, para não darem ideia de fragilidade, a atacar o Irão para vingar os mortos e feridos do ataque da pró-iraniana Resistência Islâmica do Iraque, na sua base Torre 22, na Jordânia, na semana passada, mas não querem uma guerra aberta, porque isso instalaria de novo o caos na economia mundial a partir de um Médio Oriente em chamas.
O Irão já veio, pela voz do comandante da Guarda Revolucionária, o general Hossein Salami, dizer que Teerão não quer uma guerra com os Estados Unidos, mas avisou que o país não hesitará em "dar uma resposta rápida e consequente" a qualquer acção militar norte-americana contra os interesses iranianos dentro das suas fronteiras como na região.
Há pelo menos seis anos que os EUA e o Irão estão em rota de colisão, depois de o então Presidente Donald Trump, em 2016, abandonou unilateralmente o acordo nuclear com teerão que o seu antecessor, Barack Obama, tinha assinado, reatando as relações de Washington com Teerão, abrindo mão das sanções por troca com a suspensão do programa nuclear iraniano.
Desde então, estes dois países, a maior potência militar do mundo e a segundo maior potência militar do Médio Oriente, têm estado a trocar "mimos", seja o Irão, através das organizações locais que apoiam, como os Houtihs, no Iémen, ou o Hezbollah, no Líbano, bem como a Resistência Islâmica, no Iraque, ou o Hamas, na Faixa de Gaza, ou os EUA e Israel com ataques cirúrgicos.
Entre os golpes de Washington e Telavive sobre o Irão mais salientes está o assassinato do comandante da Guarda Revolucionária iraniana e herói nacional, general Qassem Soleimani, em Bagdade, capital do Iraque, em 2020, com um drone norte-americano, os o mais recente ataque em Damasco, na Síria, de quatro oficiais iranianos através de um míssil norte-americano lançado por uma unidade israelita.
Do lado iraniano, a resposta tem sido realizada através dos seus "proxys", actualmente com o Hezbollah a atacar posições israelitas no norte de Israel ou os Houthis a gerar o caos no trânsito marítimo de e para o Canal do Suez, no Mar Vermelho, mas também em ataques cirúrgicos a bases americanas no Iraque e na Síria/Jordânia, ou ainda a sítios usados pela Mossad israelita no Curdistão.
Este ping-pong de ataques e vinganças sucessivas entre o eixo Irão-Síria e EUA/Israel pode, contudo, entrar agora numa nova fase bem mais agressiva e que tem os ingredientes comuns a um conflito de larga escala, como o é, por exemplo, a promessa de vingança do Presidente Joe Biden dos soldados americanos mortos na Jordânia, que não pode dar sinal de fraqueza em período de campanha eleitoral para as Presidenciais de Novembro.
Ou o interesse do primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyhau em abrir novas frentes de guerra para reduzir o atrito político que vive internamente pela falta clara de resultados no conflito em Gaza, onde não conseguiu alcançar nenhum dos objectivos a que se propôs, libertar reféns e exterminar o Hamas, após o assalto ao sul de Israel a 07 de Outubro, estando ainda ameaçado pela justiça onde está acusado de corrupção e peculato, processos que a guerra veio colocar em suspenso.
Mas também o Irão está "condenado" a repetir as ameaças aos EUA de retaliação célere e com estrondo a qualquer ataque norte-americano, o que levaria a uma escalada perigosa na beligerância entre estes dois arqui-inimigos, porque Teerão tem relações de proximidade estratégica com a Rússia e a China que não podem ser ignoradas neste complexo contexto que se abre na estratégica região do Médio Oriente, onde é extraído e exportado quase 40% do petróleo consumido diariamente em todo o mundo.
"Estamos a escutar as ameaças dos americanos sobre ataques ao Irão, mas em Washington devem estar cientes que o Irão conhece muito bem os americanos e não deixamos nenhuma ameaça sem resposta", avisou o comandante da Guarda Revolucionária.
O general Salami acrescentou, citado pelo britânico Guardian, que "o Irão não está à procura de uma guerra aberta com os EUA, mas também não teme qualquer confronto a que for sujeito, e os americanos sabem muito bem que esta é a realidade".
Estas palavras foram proferidas depois de o Presidente dos EUA, Joe Biden, após o ataque à base Torre 22, na Jordânia, na semana passada, ter dito que já decidiu os contornos da vingança norte-americana, sublinhando que a morte de militares dos EUA era uma linha vermelha, mas deixou na forma de fade out a decisão de acusar o Irão de envolvimento directo no ataque ou apenas através dos seus "proxys".
Em síntese, a resposta iraniana à já certa vingança norte-americana será ajustada ao grau da intensidade da acção militar que vai ser ensaiada por Washington, e dessa circunstância está, no presente momento, dependente a explosão descontrolada do barril de pólvora que é o Médio Oriente, ou apenas serão acesas pequenas fogueiras localizadas de forma a manter as coisas sob controlo sem que nenhum dos lados perca a face.
Apagar o fogo em Gaza é a solução
Sabe-se, porém, que se as negociações em curso envolvendo o Egipto, o Qatar e os EUA, que servem de ligação entre Israel e o Hamas, podem conduzir a um cessar-fogo prolongado nos próximos dias, o que seria uma porta aberta para acabar com o conflito em Gaza, que é a mãe de todos os pequenos fogos que ardem na região.
As notícias veiculadas nas últimas duas semanas são difusas, porque começaram com um encontro em Paris envolvendo as secretas de Israel, do Egipto e dos EUA, além do Governo do Qatar, que é o "avatar" do Hamas, e estão agora no Cairo, para onde seguiu já nesta quinta-feira o líder do Hamas, Ismail Haniyeh (estes dados são sempre narrativas ficcionadas criadas por razões de segurança), para acertar agulhas sobre um plano alargado de cessação das hostilidades entre as forças israelitas e os combatentes do Hamas.
Se este plano for bem-sucedido, todos os fogachos acesos no resto da região acabarão por se extinguir, com maior ou menor brevidade, porque todos eles, da fronteira israelo-libanesa ao Mar Vermelho, são originários da mesma faísca histórica que é a ocupação da Palestina por Israel deste 1948.
Plano esse que, segundo avançam as agências, passa por acertar o período, de até seis semanas, para o cessar-fogo, e as condições subjacentes, que é a libertação de detidos nas mãos do Hamas,e prisioneiros palestinianos das prisões israelitas levados para Gaza no contexto do ataque de 07 de Outubro, para desenrolar em três etapas.
Na 1ª etapa, seriam libertados os prisioneiros civis israelitas nas mãos do Hamas, crianças, mulheres e doentes, em troca de prisioneiros palestinianos mantidos nas prisões israelitas, seguindo-se a saída das forças israelitas de Gaza e o início da reconstrução do território devastado pelas bombas israelitas.
Esta é uma nova oportunidade para acabar com a chacina em Gaza, onde já morreram mais de 27 mil civis, entre estes 12 mil crianças e sete mil mulheres, embora estes números estejam a crescer vigorosamente todos os dias, destacando-se ainda mais de 130 jornalistas e quase duas centenas de funcionários das Nações Unidas.
Mas, para já, a Faixa de Gaza, onde vivem 2,3 milhões de pessoas encaixadas em 365 kms2, numa faixa de território com 40 kms de extensão e nove de largura, mantém-se como um dos mais tremendos cenários de guerra em décadas, com Israel a arrasar o que resta em pé, agora centrados no sul, depois de todo o norte ter sido praticamente terraplanado à bomba.
No território falta de tudo, deste comida a água potável, medicamentos, as doenças infecciosas começam a ceifar quase tantas vidas como a metralha israelita, os hospitais colapsam uns atrás dos outros, e mas de 1,2 milhões de pessoas vivem ao relento.
O cenário tende a piorar depois de os países ocidentais, EUA, Reino Unido, Alemanha, Itália, terem retirado o apoio financeiro à agência da ONU para a Palestina, a UNRWA, porque Israel acusou, sem provas demonstradas e sem uma investigação independente, alguns dos seus funcionários locais de terem ajudado o Hamas no ataque de 07 de Outubro.
Em causa está o comportamento de 10 indivíduos, já suspensos preventivamente pela ONU, num universo de mais de 30 mil funcionários ao serviço da UNRWA, espalhados entre Gaza e a Cisjordânia, além dos países vizinhos onde existem refugiados palestinianos, como a Jordânia e o Líbano, essenciais para ajudar mais de 10 milhões de pessoas, mais de 5 milhões dependentes de ajuda directa.