Este recuo deve-se, segundo Recep Erdogan, a um novo comunicado em que os dez países envolvidos afirmaram agir "em conformidade com a Convenção de Viena e o seu artigo 41.º", que enquadra as relações diplomáticas e proíbe qualquer ingerência nos assuntos internos de um país anfitrião", o que foi interpretado como um pedido de desculpas, mas é importante dizer que demitir os embaixadores representava, como lembra o diário francês Le Monde, "o risco de abrir a porta para uma crise diplomática sem precedentes, juntamente com uma crise monetária".

Este recuo, de resto, empurrou para cima a lira turca, que tinha começado o dia com uma nova queda, atingindo a maior desvalorização de todos os tempos em relação ao dólar.

"O comunicado dos embaixadores atacava directamente o nosso sistema judicial. Era um insulto aos nossos juízes e procuradores do ministério público. Não podemos aceitá-lo. Era meu dever, enquanto chefe de Estado, dar a resposta necessária", declarou Erdogan, sublinhando que "a justiça turca não recebe ordens de ninguém", num discurso proferido após uma reunião do seu Governo.

"A nossa intenção não era provocar uma crise, mas proteger os direitos soberanos da Turquia", declarou ainda o Presidente turco, afirmando que o novo comunicado mostra que eles recuaram.

"Confiamos que, no futuro, serão mais prudentes", acrescentou Erdogan.

Kavala, o homem de 64 anos, que motivou este torvelinho, é uma figura importante na sociedade civil, tendo sido acusado em 2013 de tentar desestabilizar a Turquia ao apoiar protestos anti-governamentais, conhecidos como movimento Gezi (por terem decorrido no Parque Taksim Gezi), em que 2016 de tentar "derrubar o Governo". Em Dezembro de 2019, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (CEDH) ordenou a sua "libertação imediata", mas Osman Kavala continua na prisão até pelo menos 26 de Novembro, de acordo com uma decisão de um tribunal de Istambul.

O Conselho da Europa ameaçou recentemente impor sanções à Turquia já na sua próxima sessão (que decorre entre 30 de Novembro a 02 de Dezembro) se o opositor não for libertado até essa altura.

Nos últimos anos, a relação de Ancara com o Ocidente tem ficado mais hostil. A liderança turca apoia a Irmandade Muçulmana e está a encorajar a sociedade turca a encarar o islamismo como um modo de vida e a assumir causas islâmicas como suas. A Turquia tem recebido por várias vezes o Hamas e também já teve contacto com os talibãs.

E é importante reforçar, por exemplo, que a Turquia é o país que mais prende jornalistas no mundo. Erdogan está permanentemente em conflito com os meios de comunicação e tem invadido países vizinhos, declarando estar a lutar contra o terrorismo na região. Existem também acusações de "limpezas étnicas" de curdos, yazidis e outras minorias.

A escolha de África e o caso de Angola, em particular

Estes são alguns dos vários motivos que levaram Ancara a procurar uma "ponte" sem portagens artificiais entre a potência euro-asiática e o continente africano.

Este redesenhar das prioridades turcas, claramente viradas para África, mas também para o Médio Oriente e os vizinhos asiáticos, começou a ser erguido quando a sua aposta para entrar na União Europeia começou a esmorecer devido aos fortes entraves colocados por Bruxelas, nomeadamente exigências no âmbito das liberdades democráticas e Direitos Humanos (ler aqui).

Mas foi na promessa de "um mundo mais justo" que Recep Erdogan alicerçou o seu discurso inicial logo na manhã de segunda-feira, em Luada, com a qual justificou este caminho de Ancara para o continente-berço de todas as oportunidades nesta era em que as velhas potências como os EUA ou mesmo França e Reino Unido começam a perder terreno para outras que se aglomeram em busca de oportunidades, como Espanha, com o seu "Foco África 2023" ou a Turquia, que já está alicerçada em países como a Guiné-Conacri, a Líbia ou a Etiópia, disputando "terreno" com a própria China, que é hoje, de longe, a mais impactante presença externa no continente, muito por causa das infindáveis linhas de crédito escoadas para África nos últimos 20 anos.

E uma linha de crédito de 500 milhões USD foi precisamente um dos trunfos com que Erdogan se apresentou em Luanda, nesta visita que foi realizada de forma acelerada depois de João Lourenço ter estado na Turquia em Julho último, mostrando essa celeridade que Ancara encara Angola como um pilar estruturante da sua aposta africana.

Erdogan deixou Angola com um conjunto de sete instrumentos jurídicos (acordos) assinados, que visam reforçar outro conjunto de documentos semelhantes assinados em Ancara, no mês de Julho, aprofundando a cooperação bilateral nas áreas, entre outras, da indústria, agricultura, defesa, energia, turismo, educação...