A questão que se coloca é se as boas práticas de governação corporativa são exclusivas das sociedades comerciais detidas por particulares, ou seja, das empresas privadas, ou se abrangem também a sociedades detidas pelo Estado, por conseguinte de todos nós. Essa questão surge pelo facto de apesar, no caso angolano, da lei das empresas públicas remeter para o código comercial aspectos específicos dos órgãos sociais, se denota uma actuação diferenciada, levando-se a concluir que as empresas públicas estão condenadas ao fracasso, por isso, a sua privatização. Não é necessariamente verdade que as empresas são rentáveis apenas quando privatizadas, porquanto, se tiverem as boas práticas de governação corporativa e não haver interferências, elas funcionam. Por exemplo, nas sociedades capitalistas desenvolvidas, como o Canadá, existem empresas detidas pelo Estado, as chamadas Crown Corporations (Canada Post Office, a Royal Canadian Mint, etc.). Vale por isso, determo-nos neste artigo da temática de governação das sociedades, sejam elas privadas ou públicas (no sentido de que são detidas pelo Estado).

Há uma variedade de conceitos de governação corporativa, a que mais aprecio, pelo seu carácter social, é a sugerida por Cadbury (1992) «a governação corporativa preocupa-se em manter o equilíbrio entre os objectivos económicos e sociais e entre os objectivos individuais e comunitários. O quadro de governação existe para encorajar a utilização eficiente dos recursos e também para exigir a responsabilização pela gestão desses recursos. O objectivo é alinhar, tanto quanto possível, os interesses dos indivíduos, das empresas e da sociedade. ». O autor dá ênfase à natureza social da empresa, ratificando o conceito do impacto negativo que a falência das empresas causa na sociedade, em decorrência de práticas incorrectas de governação corporativa. A necessidade da governação surge com a expansão das empresas, em que a capacidade do proprietário (principal) de estar presente em quase todos os pontos da cadeia de valor das operações, se tornou insustentável, passando-se a ser representados por gestores (agentes), o que criou, por sua vez, um problema. Pois, o gestor tende a perseguir o seu próprio interesse, toma decisões em seu próprio benefício, cujo custo associado é absorvido pelos donos do capital e pelas partes interessadas (stakeholders), o que se convencionou chamar de problema de agência. Foi, no fundo, o que se passou na ENRON, com as entidades especiais (Special Propose Entities-SPE) criadas para esconder a dívida e assim dar a impressão de um balanço forte e sustentado, gerador de fluxos de caixa futuros, enganando assim os investidores.

Por conseguinte, as boas práticas de governação corporativa servem para atenuar a assimetria de informação sempre presente, entre o principal (dono da empresa) e o gestor (agente), que tende a perseguir interesses diferentes dos do principal, que não está directamente envolvido na gestão da empresa, portanto, a essência da conhecida Teoria de Agência. Entretanto, os mecanismos de boas práticas de governação corporativa não são seguidos de maneira uniforme em todo o mundo, dependendo da estrutura e fonte de financiamento das empresas. Predominam dois modelos, o modelo monista e o modelo dual. O modelo monista ou anglo-saxónico (Estados Unidos da América e Reino Unido), coloca o acento tónico na criação de valor para o accionista, o capital tende a estar disperso e possuem mercados de capitais diversificados e bem desenvolvidos. Já o modelo dual, dominante na Europa Continental e no Japão, enfatiza as partes interessadas (stakeholders), o capital tende a estar concentrado em grupos económicos (conglomerados), privilegiando o financiamento bancário. O modelo monista o "Chief Executive Officer (CEO)" acumula funções executivas e de supervisão (oversight), enquanto no modelo dual as funções executivas e de supervisão são separadas, ou seja, as questões de supervisão competem ao PCA e as operações ao PCE. Pessoalmente, sou a favor do modelo dual, tendo em conta a necessidade do equilíbrio referido na definição de Cadbury, permitindo a dispersão de responsabilidade, que a condução de instituições complexas tende a interlaçar com a sociedade.

Em Angola, denota-se uma combinação de modelos, não há uma linha firme. No sector Financeiro bancário a Lei n.º 14/21, de 19 de Maio, Lei do Regime Geral das Instituições Financeiras é clara, segue o modelo dual, assim vemos que nas administrações dos bancos existe um Presidente do Conselho de Administração (PCA) e um Presidente da Comissão Executiva (PCE ou CEO). Têm, a meu ver, provavelmente, um nível de governação societária mais refinado, se comparado com as outras empresas privadas e públicas. Já no sector empresarial público é evidente o modelo monista, na maioria das empresas Públicas (EP), o PCA é também o PCE, é o caso da Sonangol, onde o PCA, tem funções executivas, o mesmo acontece com outras EP (Caminho de Ferro de Benguela, Porto de Luanda, do Lobito, do Namibe, etc..). Portanto, o modelo dominante é o monista. O modelo monista exige que os directores independentes sejam pessoas conhecedoras da actividade da empresa e efectivamente independentes. À primeira vista, não me parece haver efectiva independência dos administradores independentes nas EP angolanas, pelo menos, a independência percebida, não me parece existir em alguns casos a combinação das desejáveis competências, sendo, para não variar, a lealdade política, o factor determinante na indicação dos administradores das EP.

Por seu turno, os integrantes dos órgãos sociais das empresas privadas, geralmente, são indicados por mérito e conexões familiares (para as empresas familiares), pelo percurso profissional, com experiência reconhecida na área de actuação, de modo a fazer contribuições valiosas na definição estratégica do rumo da empresa e possuir competências que o permitam interpretar os complexos relatórios de desempenho. Recentemente, tive uma interacção com um executivo do topo de uma multinacional suíça (empresa familiar na mão da quinta geração), que disse que tem o seu trabalho facilitado, pois se limita a seguir fielmente o propósito (missão), a visão e os valores da empresa, diligentemente definidos pelo conselho de administração, por mandato dos accionistas. No caso das EP angolanas, no ambiente fidelizado pela lealdade política, os membros dos órgãos sociais, são, por prática, indicados pela confiança política. Olhando pelo perfil dos administradores executivos e independentes das EP do universo angolano, com raras excepções, identificamos administradores com o perfil que se adequa a função que desempenha. Agravado com o vazio criado por, na maioria, os órgãos sociais não funcionam na sua plenitude, estão, por regra, incompletos (não são funcionais os comités de remuneração, de conduta e ética, etc..). A notícia do Expansão do dia 17/05/2024, sobre o marasmo em que se encontra a governação da Movicel, é exemplo mais paradigmático da fragilidade da governação das empresas com participação do Estado. A opacidade que está em volta da grande maioria das EP, faz com que a gestão não seja transparente, culminando com a sua derrocada (maioritariamente tecnicamente falidas). Mas, é muito pela não utilização de boas práticas de governação, que quando mal aplicadas, leva a derrocada, quer de empresas privadas, quer de empresas públicas, pois a tendência de aproveitamento dos gestores é natural, existe desde que a separação entre a propriedade e a gestão do capital tornou-se prática.¦