Particularmente, conheço uns poucos exemplos, todos ligados ao andebol, a única modalidade que ainda vai dando algumas alegrias aos angolanos. E aqui, sou obrigado a destacar um caso de genuína paixão pelo desporto. Refiro-me ao Mora SC, uma pequena colectividade desportiva do Namibe, concretamente do município do Virei. Esta edilidade dista 128 quilómetros da capital da província e mais de mil quilómetros de Luanda. Porém, está presente em quase todos os campeonatos nacionais de formação e até de seniores, como aconteceu em Maio último, em Benguela, em masculinos. Na viagem de mais de oito horas para cobrir os quase 530 quilómetros de distância, em estradas precárias, o autocarro que transportava a delegação do Mora SC avariou. Até se resolver tudo, o grupo esperou largas horas, mas não desistiu.

Seguiu caminho para marcar presença na mais importante prova nacional da classe masculina.
Como se fosse pouco, as equipas do Mora SC não se apresentam de qualquer forma dentro das quadras. Estão sempre bem uniformizadas, usando marcas de fazer inveja a qualquer "grande". Detalhe: o mentor do projecto adquire o equipamento no mercado dos Kwanzas, em Luanda! E os ténis também! Tudo nos fardos, gastando o mínimo possível. E do seu bolso, que não é cheio, paga todas as despesas do clube. Só vez por outra tem o apoio das autoridades governamentais da província, principalmente no que diz respeito a transporte para deslocações mais longas, como a feita para o "Nacional" de seniores masculinos, em Benguela.

Como o Mora SC e outros emblemas "pequenos", há o FC Chapesseca, no Huambo. Embora não seja presença regular nos grandes palcos nacionais de andebol, é um "contribuinte" activo no desenvolvimento da modalidade na província planáltica. O guia do projecto é um jovem empreendedor que parece amar profundamente o desporto. Tanto é assim que, praticamente sem qualquer tipo de apoio e com os proventos dos seus pequenos negócios, tem em funcionamento, no clube, outras modalidades que não apenas o andebol. Num País como Angola, em que "Abramovich"s" como Kangamba ou Rui Campos atiraram a toalha ao tapete - atente-se à situação do Kabuscorp FC e do Recreativo do Libolo -, é obra de se reverenciar.
Outra história de heroísmo é a do Sporting de Cabinda, que também esteve presente no último "Nacional" de andebol masculino. O "Leão" do Norte, curiosamente da província cujos recursos mais contribuem para o OGE, deve merecer a vénia de quem manda no desporto angolano. Em Maio, para participar no Campeonato, saiu de casa à boleia de um avião militar e não sabia quando voltaria à procedência.

Dependia da programação da Força Aérea Nacional, podendo ficar dias a fio no local da competição. Em Benguela, a equipa ficou em casa de um particular (de um amigo), as refeições eram confeccionadas por uma amiga do clube a custo zero, tendo o dirigente a incumbência de providenciar os víveres. Isto, sem esquecer que os uniformes eram lavados pelos próprios jogadores após cada jogo para estarem em condições de ser usados no dia seguinte!

Histórico, embora sem a visibilidade de um passado não muito distante, o grande Nacional de Benguela ergue-se como um exemplo a seguir. Nestes tempos de carências mil, porfia no eclectismo, através da prática desportiva, transmite às novas gerações valores como cidadania, ética e solidariedade. Tem sob sua responsabilidade centenas de crianças e adolescentes a praticar várias modalidades e, no último Campeonato Nacional de seniores masculinos, levou a província de Benguela de regresso à prova onde não competia há quase uma década.

Dirigido pelo diligente jovem Evanir Coelho, o clube desdobra-se em acções para reerguer-se e resgatar os seus tempos de glória. A sua mais recente cartada foi interessar o seleccionador nacional de basquetebol, o espanhol Pepe Clarós, a apadrinhar o projecto de basquetebol do clube. Historicamente, na província e no País, a tradição do Sporting de Benguela na "bola ao cesto" é maior que a do Nacional. Mas o líder "alvi-negro" não teve problemas de qualquer tipo em chegar-se à frente. Muito provavelmente, mesmo que o espanhol se vá embora, ele continuará à distância, a dar o seu apoio que o centenário Clube do Elefante tanto merece.

Dos "velhos" emblemas caídos no esquecimento e segregados por um sistema de financiamento ao desporto que acentua cada vez mais as discrepâncias competitivas e "mata" o desenvolvimento, o Nacional de Benguela tem sido o mais activo na busca de soluções para pôr a máquina a funcionar em pleno. Pelo menos a julgar pelo que vai sendo divulgado nas medias sociais, tudo indica que sim. Evanir Coelho tem sido incansável no esforço para reerguer um "colosso" do desporto angolano que não pode morrer, sob pena de o País perder uma das suas mais respeitáveis instituições desportivas.

Como estes, o País regista outros exemplos, cujas histórias não cabem neste espaço. O que espanta, porém, é o descaso a que estes clubes estão votados. No Virei, por exemplo, há uma pujante indústria mineradora. Dezenas de empresas ganham milhões de kwanzas e de dólares com a exportação de granito e outras rochas ornamentais retiradas da região. Mas responsabilidade social para com a comunidade cuja terra lhes oferece riqueza é nula. No Huambo, a mesma coisa. Inclusive a equipa de futebol adaptado, campeã nacional, onde actua Celestino Elias - o Messi de muletas - não tem merecido a devida atenção. Em Cabinda, de onde sai a maior parte do dinheiro que sustenta Angola por via da venda de petróleo, o cenário não é diferente.

O caso mais intrigante é o de Benguela, outrora uma potência desportiva nacional, tendo conquistado no pós-independência campeonatos de seniores em algumas das modalidades mais populares do País, designadamente futebol, andebol e voleibol, num período em que o sistema de financiamento do desporto era mais equilibrado. Com a empresa Carrinho à mão de semear, de lá não sai um tostão. Pela narrativa de como a empresa, que é "dona" de quase toda a província, subiu saindo de baixo, deveria também, no âmbito da responsabilidade social, fazer alguma coisa para apoiar entes como o Nacional de Benguela, de modo a saírem de baixo. Ou o Evanir Coelho precisa de fazer mais algo para merecer a atenção do empresariado de Benguela? Na mesma Benguela que se levantou em uníssono, quase parando o País, quando Giovana Pinto Leite estava a ser injustiçada pelo Comité Miss Angola! Parece que esta Benguela solidária já não existe mais. Desafortunadamente.