A colectânea é uma leitura essencial para quem deseja compreender melhor essas questões cruciais. O primeiro volume foi lançado em Maio de 2012. O segundo, em Dezembro de 2015. O terceiro, novo lançamento, a ocorrer no Auditório do Edifício Michael Lemoyne Kennedy da Universidade Católica de Angola, promete continuar a oferecer valiosos esclarecimentos sobre uma panóplia de temas, muitos dos quais anteriormente divulgados no matutino, Jornal de Angola.

Embora o novo livro esteja a receber atenção merecida, há outro título mais antigo do autor que merece ser revisitado e analisado. Um trabalho que contribui para compreender melhor a obra do autor como um todo. É importante não negligenciar os tesouros já existentes na vasta bibliografia do autor. Eis a razão do título, Harmonias esquecidas: Uma viagem musical com Filipe Zau.

O nosso olhar recai sobre Notas Fora da Pauta, uma das suas obras anteriores, que continua a cativar leitores até hoje. "Em Notas Fora da Pauta, Filipe Zau presta homenagem a todas as suas paixões, ídolos e cúmplices musicais," escreve João Melo no prefácio do livro. Foi publicado há 17 anos pela editora Chá de Caxinde. O livro é considerado um dos mais importantes do autor. A sua profundidade temática e estilo literário característico ainda ecoam nas páginas dos seus livros mais recentes.

A música, regra geral, é escrita num conjunto de cinco linhas paralelas que recebe o nome de pauta ou pentagrama. Pauta é o nome do conjunto de linhas utilizado para escrever as notas musicais de uma partitura, no sistema de notação da música ocidental. Partindo do conceito, Filipe Zau recriou forjando a metáfora: Notas Fora da Pauta.

Para Zau, a música revela-se como um exercício sublime, em qualquer dos seus planos. É uma linguagem universal que transcende fronteiras e nos conecta a um vasto universo de emoções e experiências. Em Notas Fora da Pauta, o autor leva-nos a explorar um vasto panorama de estilos musicais e tendências estéticas. Do jazz suave a estilos mais enérgicos, da música clássica à electrónica pulsante, atravessando, inclusive, o nosso folclore, com referência ao nosso popular Man-Ré, que, com Ndenge Paz, compunham o Conjunto Riquezas de Angola, nas décadas de oitenta e noventa. O bom gosto permite-nos apreciar a diversidade e a riqueza da criação humana.

A viagem por Notas Fora da Pauta começa em Mississípi, com Eric Clapton ao volante, no seu álbum Me and Mr Johnson, totalmente preenchido por composições de Robert Johnson, um músico de blues que, nos anos trinta, se tornou uma figura lendária dos negros discriminados e explorados nos campos de algodão do delta do Mississípi.

Segundo o autor, os blues obedecem a uma tradicional e bem conhecidas sequências de acordes e compassos, às quais se associa uma temática que, entre outros aspectos, nos fala de dor, sofrimento, lamento, whisky, emoção, sexo, ciúmes, etc., que, no início do século XX, caracterizava o pensamento supersticioso dos negros fixados na parte sul dos Estados Unidos da América.
Zau atravessa a América Central para nos falar da solidariedade, da latinidade e das mulheres ao poder, na voz de Carlos Santana, de Autlan Navarro, México. Lembra-nos que foi, precisamente, no ambiente pacifista dos movimentos hippies, que o som afro-latino de Soul Sacrifice se impôs, com Carlos Santana (guitarra e vocal), Gregg Rolie (teclados e vocal), Michael Shrieve (bateria), Dave Brown (baixo), Mike Carabello (congas) e José Áreas (timbalas).

A lista é extensa. Não faltam nomes como Diana Krall, Peter Tarnony, Wayne Shorter, Abdullah Ibrahim, também conhecido como o hipnótico, e Jimmy Dudlu. Os dois últimos foram cabeças de cartaz numa das edições do extinto Festival Internacional de Jazz de Luanda, sob o slogan "Luanda Merece".
Caro leitor, ouça os solos de Jimmy Dudlu no Youtube. O cantor nasceu em Moçambique, na região de Zavala, e entrou para o mundo da música na década de 70, imitando músicas do cantor e compositor moçambicano, Wazimbo. Abandonou a sua terra natal na década de 80 e rumou por vários países da região austral de África instalando-se em Botswana. Seguidamente rumou para a África do Sul onde se licenciou em música.

Volte-se ao já referido Man-Ré através do quarteto musical guinense, Tabanka Jazz, cuja música, intitulada "Abraço a Man-Ré", integra, com outros nove temas, o leque de ritmos do disco Sentimento do Tabanka Jazz. Zau admite que a reutilização do tema do músico popular angolano foi a melhor e merecida homenagem a Man-Ré.

Notas Fora da Pauta, muito mais do que um livro, é o alcance da percepção musical de raízes e culturas diferentes, e que se impõem em mosaicos culturais distintos. Além disso, expõe o fino tom de Filipe Zau abordar a música através da escrita. Além da sua contribuição como autor, também é um educador, pesquisador, docente universitário, compositor e músico angolano. Actualmente, ocupa o cargo de Ministro da Cultura e Turismo de Angola.

*Mestre em Linguística pela Universidade Agostinho Neto