Depois deste feito histórico, o mundo voltou a sua atenção para a erradicação da poliomielite, outra doença debilitante e prevenivel que ataca o sistema nervoso e pode causar a paralisia ao longo da vida ou mesmo a morte. Graças às vacinas, à dedicação dos profissionais de saúde e a décadas de colaboração global, os casos de poliomielite selvagem diminuíram 99,9%, e hoje caminham 20 milhões de pessoas que, de outra forma, estariam paralisadas pelo vírus.

A imunização é uma das nossas intervenções de saúde pública mais bem-sucedidas. Este ano marca os 50 anos desde os estabelecimento a nível mundial, do Programa Alargado de Vacinação (PAV). o esquema de vacinação de rotina desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde em 1974, que é responsável por proteger muitos dos vírus infantis mais comuns, incluindo a poliomielite. Novos dados divulgados pela revista The Lancet no início de maio de 2024 revelam que os esforços globais de imunização salvaram cerca de 154 milhões de vidas nos últimos 50 anos e contribuíram para reduzir a mortalidade infantil em mais de 50% em todo continente Africano.

No entanto, fazer história nunca é fácil. Apesar de décadas de empenho e liderança dos Ministros da Saúde africanos e outros líderes governamentais, os desafios para alcançar todas as crianças com vacinas contra a poliomielite permanecem. As interrupções relacionadas à COVID-19 na entrega de vacinas alimentaram o maior retrocesso na imunização em três décadas, à medida que os sistemas de saúde estavam sobrecarregados e os recursos eram desviados para à COVID-19, deixando os mais vulneráveis sem protecção.

As consequências deste retrocesso foram graves. Em 2022, o Malawi, seguido de Moçambique, registou os primeiros casos de poliovírus selvagem em África em mais de cinco anos, importados do estrangeiro. Devido às quedas na cobertura de vacinação, 15 países da região têm lutado para impedir os surtos de variantes da poliomielite em curso desde 2021.

Uma forte cobertura de vacinação de rotina é fundamental para acabar com a poliomielite. Na África Oriental e Austral, 4,6 milhões de crianças perderam a imunização de rotina durante a pandemia. Por exemplo, mais de 977.000 crianças em Madagáscar e 1,3 milhões de crianças na Somália não receberam uma única dose da vacina entre 2020 e 2022.

A erradicação da poliomielite requer pelo menos 95% de cobertura de vacinação para impedir a circulação do vírus e uma forte imunização de rotina para prevenir novas infecções. Apesar dos esforços para aumentar as taxas de imunização, as mesmas crianças continuam em falta. Estas crianças de "zero dose", que nunca foram alcançadas com nenhuma vacina, vivem frequentemente nas áreas mais difíceis de alcançar, deixando-as em risco de doença ou mesmo de morte por doenças evitáveis, como o sarampo e a poliomielite.

Depois de uma visita ao Madagáscar, onde há mais de um milhão de crianças de "zero dose" entre os dois e os cinco anos de idade verificamos que os dados do Ministério da Saúde Pública mostram que, em 22 das 23 regiões do país, menos de 50% das crianças receberam a primeira dose da vacina contra a poliomielite ao nascer. Ficámos animados por ouvir os líderes e os profissionais de saúde sobre como estão a trabalhar para proteger mais crianças de doenças infeciosas. Sob a orientação do governo, podemos apoiar os seus esforços para priorizar a imunização de rotina dentro do sistema de saúde primário do país e aumentar urgentemente os esforços para fechar essas lacunas de imunidade extremamente preocupantes.

Em Angola, o Governo está a lançar esta semana a sua campanha contra a poliomielite para garantir que todas as crianças fiquem protegidas contra a poliomielite. Embora Angola tenha erradicado a poliomielite no ano de 2011, é importante ver o investimento contínuo do Governo na protecção das suas crianças contra doenças tão debilitantes.

Ainda há muito trabalho a fazer para fortalecer os sistemas de saúde em toda a região, para que possamos proteger todas as crianças contra doenças preveniveis por vacinação. As necessidades são complexas e assustadoras, mas a chave para superar todo e qualquer desafio é uma única necessidade: vontade política. Somos frequentemente lembrados de que "a vacinação salva vidas". Para que a vacinação aconteça, é vital que os líderes de todo o continente permaneçam comprometidos em investir nos seus sistemas de saúde e vacinas, e demonstrem publicamente o seu apoio à vacinação contra a poliomielite e à imunização mais ampla. O envolvimento contínuo com agentes comunitários de saúde e líderes comunitários também é fundamental para alcançar altas taxas de imunização, mesmo entre as crianças mais vulneráveis.

O mundo tem uma oportunidade histórica de acabar de vez com a poliomielite, mas se não nos mantivermos comprometidos, o vírus pode voltar rapidamente e paralisar milhares de crianças novamente todos os anos. A erradicação pode parecer próxima, mas nós - governos, parceiros, doadores - devemos intensificar e apoiar plena e de forma urgente para cruzar a linha de chegada. Fizemos isso contra a varíola, e podemos fazê-lo novamente - é humanamente possível.

*Directora Regional do UNICEF para África Oriental e Austral

**Presidente de Desenvolvimento Global da Fundação Bill e Melinda Gates