Na nossa região da África Austral, as condições de seca provocadas pelo El Niño levaram Malawi, Zâmbia e Zimbábue a declarar desastres nacionais em fevereiro/março de 2024 devido ao impacto na produção agrícola. No caso de Angola, em muitas localidades onde a maior parte das famílias possui um nível de renda baixo, começam já a surgir vozes a solicitar assistência externa às populações mais afectadas em resposta a um choque ou choques na segurança alimentar decorrentes dos efeitos climáticos extremos e alterações dos preços dos alimentos. Estarão as nossas autoridades atentas a tais vozes?

É do conhecimento geral de que a situação existente no país caracteriza-se por um aumento do número de pessoas que, em determinados momentos, não têm acesso físico, social e econômico a alimentos suficientes, seguros e nutritivos. Nesta condição como poderão atender às suas necessidades alimentares de acordo com as suas preferências culturais aos alimentos e desfrutar de uma vida digna, activa e saudável?

A situação de insegurança alimentar que se abate sobre muitos dos nossos concidadãos (fala-se de mais de um milhão de pessoas) não é de hoje nem de ontem, ela surgiu a partir do momento em que, algumas das dimensões - disponibilidade, acesso, utilização e estabilidade - foram interrompidas, devido aos choques resultante das crises ecónomica e, embora ignoradas por muitos, das mudanças climáticas que o país vem enfrentando nos últimos dez anos.

Se para muitas famílias a crise alimentar é crônica, porque a insegurança alimentar persiste ao longo do tempo, em grande parte devido a causas estruturais como as desigualdades sociais, a pobreza, a crise económica e financeira, a má distribuição de alimentos e o manejo inadequado dos recursos naturais. Para outras famílias a situação de insegurança alimentar ocorre apenas em momentos específicos no tempo, sobretudo na época em que se esgotam os alimentos resultantes das colheitas, mas ainda assim não deixa ser grave pois ameaça vidas, meios de subsistência ou ambos.

Em virtude do actual cenário, está mais do que visto que a situação de crise alimentar que se aproxima será mais provável entre populações que já sofrem de insegurança alimentar prolongada e desnutrição, e em áreas como as regiões semi-aridas do sul de Angola, onde factores estruturais aumentam a sua vulnerabilidade aos choques que todos nós já conhecemos. Mas temos de estar cientes que tal como se apresenta, a crise alimentar poderá ocorrer em qualquer lugar e ter impacto ou ramificações em várias partes do país, como acontece em províncias como Cuanza Sul, Bié, Malanje, Uige - províncias com grande potencial de produção de alimentos - e poderá ter efeitos em cascata em outras partes do país.

Tendo em consideração que a capacidade de resposta do Executivo ao nível central local pode influenciar a magnitude e a gravidade das crises alimentares em todo país, seria importante saber quais são as capacidades existentes ao nível central e local para lidar com os desafios que se avizinham? É do conhecimento geral que abordar as causas profundas e interrelacionadas das crises alimentares em qualquer parte do mundo, exige estratégias abrangentes que promovam a estabilidade econômica, a resiliência climática e a prevenção de conflitos sociais, o país vai necessariamente ter de alinhar as actividades que normalmente realiza através de deversas iniciativas de políticas públicas com a sua estratégia de combate a pobreza e a fome, para tal e antes que seja demasiadamente tarde sugiro que as nossas autoridades se preparem para no mínimo tomar quatro medidas bem concretas: Uma parceria forte com várias instituições academicas e empresariais, organizações não governamentais, organismos de cooperação multilateral e bilateral, etc; Um processo altamente consultivo envolvendo todas as partes interessadas, sobretudo aquelas que estarão directamente afectadas ou serão implicadas na solução do problema; Uma compilação de múltiplas análises de segurança alimentar e nutricional baseadas em consenso e no conhecimento local; Um documento técnico de referência sobre a crise alimentar contendo uma indicação clara do que faremos para enfrenta-la. Será que é o que se pensa fazer? Ou vamos aguardar até que a situação se agudize ao ponto de se tornar uma daquelas catastrofes mediaticas para começarmos a agir?

*Coordenador OPSA