Certamente não "chove" champanhe entre todos os angolanos mas os novos-ricos angolanos presumem (e presumem-se eles próprios) consumir com qualidade tudo o que seja mais caro, já que assim, tendo sido antes pobres, têm a oportunidade de demonstrar a sua nova condição de ricos. Transformam-se para se convencerem, e quem os conhece sabe que agora pertencem ao clube dos grandes, dos que podem comprar e pagar, do modo como isso os torna também mais refinados, com mais qualidade que supostamente antes, por terem sido pobres, não tinham.
Temos visto, e não é de agora, um verdadeiro espectáculo circense de gente que exibe nas revistas cor-de-rosa o mau gosto das roupas, decoração e hábitos como se demonstrassem qualidade. Coisas de longe piores do que temperar comida com um vinho caro.
A foto amplamente divulgada do tempero com Moêt-Chandon em condições normais não seria notícia e muito menos seria esta espécie de incidente político em que se tornou. Se não estivéssemos em crise, sem dinheiro, a apertar sofridamente o cinto, tudo não passaria de uma projecção externa da pessoa e não teria deixado tanta gente desagradada.
No actual momento um fait-divers absolutamente fútil, como este, passa a ser visto como um sinal de sobranceria, vaidade e de deselegância para com o sofrimento do povo. É o momento actual que transforma essa "ingenuidade" pública num acto de exibição de riqueza e fartura quando se pede às pessoas que façam restrições. É uma reacção popular excessiva mas compreensível pelo cenário: Num concurso de gastronomia do partido maioritário, o "cozinheiro" com a bandeira do MPLA ao peito, o mesmo que pede contenção de gastos.
Claro que assiste aos Antónios e Marias da nossa sociedade o direito de darem todas as festas de arromba, exibirem os ouros todos e até convidarem os príncipes das Arábias que entenderem, mas isso não pode acontecer neste momento com figuras públicas, que são pessoas com responsabilidade na formação da consciência dos cidadãos, modelos de referência para a sociedade e formadores de opinião.
Quando o povo não tem dinheiro, o custo do pão sobe e faz filas para comprar o óleo vegetal mais barato, o mínimo que se pede às nossas figuras públicas é mais recato, definitivamente muito mais pudor, mais parcimónia, menos exposição pública das suas "excentricidades" privadas e menos exibicionismo. Com as novas tecnologias a possibilitarem uma ampla divulgação da informação e com comentários agregados, a falta de recato rapidamente se transforma numa ostentação do novo-riquismo e num insultuoso escárnio do sofrimento alheio.
Infelizmente, as figuras públicas não têm demonstrado sensibilidade para o que a sociedade pensa sobre as consequências das suas manifestações públicas principalmente quando elas representam uma contradição com o que dizem defender. É verdade que, por vezes, se levanta o problema de lesão da privacidade das figuras públicas mas há claramente interesse público e, consequentemente, a curiosidade dos media e das redes sociais quando uma figura pública pratica em privado actos contrários ao que afirma em público, o que, dito de outro modo, quer dizer que não pode em público gritar que "há crise, há crise" e depois em privado ter acções exibicionistas e de esbanjamento.
Muitas vezes também se pode dar origem a um conflito entre, por um lado, o direito à reserva da vida privada das pessoas públicas e, por outro lado, os direitos dos jornalistas, sendo ambos protegidas pela lei constitucional, mas em última instância cabe aos "colunáveis" saber estar e terem um comportamento adequado.
Lamentavelmente, temos desenvolvido a gabarolice e a cultura da "riqueza na miséria" como tiques da identidade angolana. Mas se as nossas figuras, se as imagens televisivas e em espaços públicos deixarem de mostrar essa Angola de sucesso fácil, onde se dorme pobre e se acorda rico, talvez ainda consigamos evitar o aparecimento de cada vez mais jovens com a mania das grandezas, que se julgam nascidos em berço de ouro e acreditam que o sucesso lhes vai bater à porta vindo dos bonitos programas de TV.
Fazem falta figuras públicas que não estejam mais preocupadas com os fatos caros, com carros de grande cilindrada ou viagens caras pelo mundo todo, do que com a solidariedade, com o apoio a quem luta com abnegação para ser bem-sucedido ou em promover, sem a manipulação propagandística, de gente honrada que batalha no dia-a-dia, sem que sejam doutores e filhos de gente importante ou tenham profissões bem remuneradas.
Temos de deixar de vender a ideia da "Angola-saca-fácil": dinheiro fácil, sucesso fácil, vida fácil, bons carros, vinhos caros, mulheres bonitas, festas e farras todos os dias. É preciso devolver às figuras públicas a preocupação com o suor do trabalho, com o mérito, com a dignidade das pequenas profissões.
É preciso que o espaço público volte a ter escrúpulos e pudor. Não se trata apenas dos políticos mas de todas as figuras públicas, desde músicos, misses, desportistas e figuras da televisão que são os principais "projectadores" do novo-riquismo nacional, gente que se gaba publicamente e nas redes sociais dos seus cachets principescos, do que gastam por noite em discotecas e festas e das suas aventuras pelas sete maravilhas do mundo. Em nome do seu direito à reserva de vida privada mantenham em privado as vossas vidas privadas e não nos chateiem.