Contra o pedido expresso do Presidente da República, João Lourenço, que avisou as autoridades portuguesas para uma "resposta" de Angola à decisão da Justiça lusa de não transferir o processo de Manuel Vicente para Portugal, o julgamento do ex-vice-Presidente vai mesmo avançar.
O início da sessão inaugural do processo, que conta com outros três arguidos, está marcado para as 9h30 desta segunda-feira, em Lisboa, (10h30 em Luanda), e deixa em aberto a hipótese de o juiz proferir uma declaração de contumácia, mecanismo previsto no Código do Processo Penal português, accionado quando um arguido recusa comparecer perante o juiz.
Caso essa declaração avance, daí decorrerá emissão de um mandado de detenção internacional contra Manuel Vicente, antecipando-se, nesta situação, mais um braço-de-ferro entre as autoridades portuguesas e angolanas.
O processo ameaça mesmo a continuidade das relações bilaterais, conforme alertou o Governo angolano.
O ministro das Relações Exteriores, Manuel Augusto, avisou Portugal que "para ver reabertos os canais da cooperação" bilateral "terá de transformar o caso de Manuel Vicente "num não-caso"".
Angola sobreviverá a uma crise de relações com Portugal
Depois de ter dito que "Angola sobreviverá a uma crise de relações com Portugal", o chefe da Diplomacia nacional recordou que o país pode "substituir a cooperação empresarial portuguesa por outra de igual ou de mais valia".
Em declarações ao semanário português Expresso, publicadas no final de Dezembro último, Manuel Augusto lembrou que "a África do Sul também tem bom vinho", e acrescentou que Angola pode ir comprar azeite a Espanha.
"Tudo depende do Estado português", sublinhou o ministro das Relações Exteriores, que condiciona a reabertura dos "canais da cooperação" bilateral do desfecho do processo aberto na Justiça portuguesa contra Manuel Vicente, acusado de corrupção activa (em coautoria com os arguidos Paulo Blanco e Armindo Pires), e de branqueamento de capitais.
Em causa está o alegado pagamento de 760 mil euros ao ex-magistrado do Ministério Público de Portugal, Orlando Figueira, para arquivar dois processos, um deles o caso Portmill, relacionado com a suposta aquisição de um imóvel de luxo no Estoril.
"Não existem provas materiais para acusar Manuel Vicente", sublinhou o governante, que alude às recentes declarações do advogado do ex-vice-Presidente da República, Paulo Blanco, bem como do ex-procurador Orlando Figueira, coincidentes na ilibação do antigo número um da Sonangol.
Manuel Augusto insiste que cabe a Portugal decidir o futuro da cooperação. "No dia em que este caso for solucionado, de um momento para o outro tanto o Presidente Marcelo [Rebelo de Sousa] como o primeiro-ministro [António] Costa poderão vir a Angola, assim como o nosso Presidente ir a Lisboa", antecipa o chefe da Diplomacia.
JLO avisou que relações com Portugal vão depender deste caso
O ministro das Relações Exteriores defende a transferência para a Justiça angolana do processo que em Portugal envolve o ex-vice-Presidente da República.
Com esta posição, o responsável entende que o Estado angolano está apenas a fazer recurso a um instrumento judiciário que existe entre os dois países, de cooperação em matéria judicial.
Para Manuel Augusto, a desconfiança que o Ministério Público português apresenta em relação à Justiça angolana, de que a mesma não vá levar "esse caso com a seriedade necessária", "é um juízo de valor que não pode existir".
"Portugal e o seu poder político não têm o direito de pôr em causa o nosso sistema judiciário até porque se assinaram com Angola um acordo judiciário, é porque reconheceram em Angola um parceiro credível para esse tipo de acordo. Aqui é um problema de soberania, não é um problema de birra, de complexo", atirou.
O Presidente da República reforçou esta ideia, na conferência de imprensa alargada que teve lugar no início do mês, dizendo que as relações entre Angola e Portugal vão depender do desfecho do processo judicial que envolve o ex-vice-Presidente Manuel Vicente nos tribunais portuguese. O Chefe de Estado deixou para mais tarde o anúncio sobre o que vai fazer caso esse mesmo desfecho seja negativo para os interesses angolanos.