O secretário de Estado, Mike Pompeo, a figura maior da diplomacia norte-americana e o, oficiosamente, nº 2 da Administração americana, já disse de forma clara que os ataques às infra-estruturas petrolíferas da Arábia Saudita, no passado Sábado, foram lançados por forças iranianas.
As afirmações de Pompeo juntam-se às garantias dadas pelas chefias militares da Arábia Saudita, que afirmam ter provas concretas de que os mísseis e drones que explodiram na refinaria de Abqaiq, a maior do mundo, foram disparados do Norte, onde se situam o Irão e o seu aliado estratégico, o Iraque.
Este sublinhado sobre as coordenadas da origem dos projécteis é importante porque quem reivindicou os ataques foram os Houthis, rebeldes que contam com o apoio iraniano, que combatem o Governo do Iémen, país que se situa a Sul dos locais alvejados no passado Sábado.
Esses ataques geraram um súbito pânico nos mercados petrolíferos, porque as primeiras informações dos sauditas apontavam para que mais de 5,7 milhões de barris de petróleo deixariam de chegar aos mercados, quase 6% do total consumido em todo o mundo, fazendo com que o barril de crude subisse 20%, o que já não acontecia desde a I Guerra do Golfo, em 1991.
Menos estragos que o esperado
Todavia, na terça-feira soube-se que os estragos eram menores que o anunciado e que a produção e o fornecimento sauditas seriam normalizados em breve e o barril de petróleo praticamente regressou a valores pré-ataques.
Hoje, cerca das 10:00, o barril de Brent, em Londres, estava nos 62,96 USD, pouco mais de um (1) USD que antes dos ataques, embora a registar uma ligeira subida em comparação com quarta-feira, de 0,46%, já como consequência do aumento da tensão Washington-Teerão e um putativo conflito no horizonte.
Mas, quando tudo estava a apontar para o pleno regresso à normalidade, uma normalidade perenamente tensa, como é a do Médio Oriente, eis que as vozes de Washington a garantir a existência de provas contra o Irão se multiplicam, oficialmente, através de Mike Pompeo, e em "off", com várias fontes do Pentágono, o quartel-general das Forças Armadas dos EUA, a serem citadas pelas agências de notícias, apontando igualmente nesse sentido.
Irão não descola de um "não" rotundo
Do lado do Irão, seja pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Mohammad Javad Zarif, seja pelo próprio Presidente, Hassan Rouhani, desde o primeiro momento que tal acusação é veementemente refutada.
Porém, Rouhani aproveitou para dizer, através dos media iranianos, que o ataque dos Houthis pode ser lido como um exemplo do que poderá suceder em caso de uma guerra envolvendo o Irão e que deveria ser aproveitado o momento para acabar com a guerra no Iémen e acalmar a volátil situação em todo o Médio Oriente.
"O Irão não deseja guerras com ninguém", garantiu Hassan Rouhani, que tem pela frente a difícil tarefa de lidar com as pesadas sanções norte-americanas ao seu país que, entre outros apertos, o impede de exportar a sua rica produção petrolífera que pode ser elevada aos 4,5 milhões de barris por dia.
Mas nada garante que esse temido conflito não vai suceder. Desde ontem na Arábia Saudita, Mike Pompeo é o homem de Trump enviado para esclarecer a situação, sendo que, aparentemente, o Presidente norte-americano é o único que falta convencer da culpabilidade directa do Irão.
Para já, Teerão vai ter de lidar com o reforço das sanções americanas, embora os analistas duvidem que estas sejam aplicáveis com sucesso, porque as existentes são tão pesadas que dificilmente outras poderão ser aplicadas e surtir efeito para lá do que está a ser vivido pelos iranianos agora, que são uma profunda crise económica devido à "rolha" colocada nas suas exportações petrolíferas.
Trump precisa de gasolina barata para se recandidatar
Uma das certezas da política norte-americana é que o preço dos combustíveis é um dos garantes exigidos por um Presidente que procura a reeleição, como é o caso de Donald Trump para 2020.
E se os EUA atacarem o Irão, aproveitando as dezenas de bases militares que têm na região (ver fotografia com infografia) a sós ou coligados com sauditas, para além de, como recorda o Foreign Policy, retirarem a pouca exportação iraniana do mercado - pouco mais de 500 mil barris por dia -, quando o mundo luta para repor o que ficou offline após os ataques, é ainda de dar quase como garantido que a retaliação iraniana e dos seus aliados na região, desde as forças estacionadas no Iraque, ao Hezbollah libanês, a Síria, os Houthis, do Iémen, e uma vasta rede de facções de natureza religiosa xiita no Médio Oriente, incidiria essencialmente na infra-estrutura petrolífera e nas bases norte-americanas na região.
Isso significaria que, para além dos 5,7 milhões de barris por dia que circunstancialmente ficaram offline com os ataques de Sábado, quase toda a produção da região - mais de 20 por cento das necessidades planetárias é produzida e exportada via Golfo Pérsico - deixaria de poder ser mantida durante a duração do conflito e provavelmente meses após este estar terminado.
Uma das retaliações imediatas lógicas seria a transformação do Estreito de Hormuz - passagem estreita do Golfo Pérsico para o Mar Arábico, controlada pelo Irão - como uma zona intransitável por muito tempo, o que representaria uma importante achega a uma nova e fulgurante crise petrolífera, uma das mais vigorosas a que o mundo já assistiu, com o barril a subir para valores estratosféricos.
A juntar a esta, para já ficcionada possibilidade, surgem os veementes apelos da China e da Rússia para o facto de uma guerra na região não interessar a ninguém e de exigirem bom senso a Donald Trump.
A favor de um conflito aberto está, segundo admitem alguns analistas, a possibilidade histórica dos sauditas e dos israelitas de se livrarem de um regime considerado hostil em Teerão, porque uma guerra poderia levar ao fim do poder dos aiatolas (lideres religiosos) e a uma mudança de regime, e ainda os interesses da indústria militar norte-americana que tem nas guerras protagonizadas pelos EUA e pelos seus aliados permanentes balões de oxigénio.
Recorde-se que, há alguns meses, o Presidente Trump se fez fotografar com os líderes sauditas com um negócio de mais de 100 mil milhões USD em armamento nas mãos.
Quem quer acabar com a aproximação diplomática EUA-Irão?
Entretanto, o ministro dos Negócios Estrangeiros da França, Jean-Yves Le Drian, já se pronunciou sobre esta dramática situação no Médio Oriente, sublinhando que é difícil acreditar que tenham sido os rebeldes Houthis a lançar o ataque devido à sofisticação dos meios envolvidos.
Sem apontar o dedo ao Irão, Le Drian nota que quem o fez pretendia minar o enconro que estava a ser preparado entre Donald Trump e o Presidente do Irão, Hassan Rouhani, durante a Assembleia-Geral das Nações Unidas, que decorre este mês em Nova Iorque.
Embora não tenham sido nomeados suspeitos, a verdade é que o governante francês não desconhece que os maiores detractores de uma aproximação diplomática entre o Irão e os EUA são a Arábia Saudita e Israel, que há muito tempo instigam Washington a lançar-se numa guerra contra os iranianos.
Israel porque os lideres religiosos encaram este país como o seu grande inimigo histórico e a Arábia Saudita, embora existam razões religiosas - o Irão é xiita e os sauditas são maioritariamente sunitas e o seu regime é baseado no fundamentalismo religioso do wahabismo -, o essencial é que os dois países disputam a influência política, social e económica no Médio Oriente islâmico, sendo que, devido aos equilíbrios militares, apenas os EUA podem desequilibrar a actual correlação de forças, até porque a China e a Rússia têm mostrado disponibilidade para uma aproximação a Teerão face ao apertar das tanazes americanas.