Com esta reviravolta dos ucranianos, que, claramente, concluíram que as promessas dos aliados europeus em substituir o armamento até agora fornecido pelos norte-americanos não teria pés para andar, a paz está mais próxima, mas ainda alonge de estar garantida.

Isto, porque as condições colocadas pelo Kremlin para assinar um acordo de paz com os ucranianos não mudaram uma vírgula com o recuo de Volodymyr Zelensky no que diz respeito ao acordo com os EUA para a exploração das "terras raras" no subsolo ucraniano.

Porém, Donald Trump, no seu discurso ao Congresso, que teve lugar nesta madrugada usando a hora de Angola como referência, afirmou que também o Presidente russos, Vladimir Putin, lhe disser que está pronto para um acordo de paz na Ucrânia... Não explicou como tal vai acontecer.

É que, mesmo antes de chegar ao momento de assinar esse acordo de paz, para o qual não existe qualquer horizonte temporal definido, a Rússia, como veio explicar nas últimas horas o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, pretende ver resolvidos os problemas que levaram ao corte de relações entre Moscovo e Washington.

Por exemplo, Peskov veio lembrar, ainda antes deste discurso de Trump ao Congresso, que, para que a Federação Russa e os EUA restabeleçam as suas relações diplomáticas, vai ser necessário que as sanções aplicadas à Rússia sejam levantadas.

E esse assunto não foi ainda alvo de um cronograma claro, o que impede que a normalidade regresse às relações com os norte-americanos, o que tem forçosamente de preceder, como o Kremlin tem feito questão de avisar, qualquer acordo com os ucranianos.

"Se estivermos a falar da normalização das relações bilaterais, esse processo só pode acontecer quando estivermos livres dessa carga negativa que são as sanções", avisou Peskov, tendo em conta que o assunto só tem sido referido por Washington de forma pouco concreta e apenas no campo das possibilidades.

Todavia, neste discurso ao Congresso altamente aguardado, onde os tópicos principais foram a guerra económica e comercial dos EUA contra a China, Canadá e México, na forma de tarifas sobre as importações para os EUA, a questão ucraniana surgiu, quase que lateralmente, mais de hora e meio após o início da prelecção, e igualmente na perspectiva de um negócio.

Para Trump, com a reviravolta de Zelensky no sentido de estar agora disponível para, como o próprio explicou em carta enviada ao Presidente dos EUA, estão criadas as condições para que Washington recupere os "mais de 350 mil milhões USD" enviados para Kiev no contexto da guerra.

Porém, começam a surgir sérias dúvidas sobre esta cifra, porque, segundo John Helmer, jornalista e analista, segundo dados oficiais da Administração norte-americana, foram disponibilizados apenas 183 mil milhões USD, dos quais foram gastos 83 mil milhões, sendo que a maior parte destes foram direccionados para a indústria de armamento dos EUA.

No discurso, onde Trump disse que está a fazer mais pelos EUA em mês e meio que algumas administrações em oito anos, dizendo em tom de ameaça ao mundo que "a América está de volta" à prosperidade e à grandiosidade, também encontrou tempo para dizer que gostou da carta que lhe foi enviada por Volodymyr Zelensky, que é, na integralidade, uma publicação do Presidente ucraniano, horas antes, nas redes sociais.

Ficam, porém, questões por responder e que podem mudar dramaticamente o cenário no que toca ao contexto de guerra na Ucrânia.

É que as famosas `terras raras' que Trump quer explorar na Ucrânia para devolver o dinheiro enviado para Kiev aos contribuintes americanos, segundo aquilo que se sabe dos mapas disponibilizados contendo os locais onde estas se encontram, a esmagadora maior parte ou está nos território já conquistados pelos russos, especialmente no Donbass, ou na regiões anexadas em 2022.

Regiões essas que são, além de Donetsk e Lugansk (Donbass), Zaporizhia e Kherson, sendo que, destas, partes relevantes ainda estão sob controlo das forças ucranianas, especialmente Kherson e Zaporizhia, onde estão localizadas algumas das mais relevantes zonas mineiras dos minerais estratégicos para as indústrias 2.0.

Perante tal cenário, impõe-se algumas perguntas: o acordo entre Trump e Zelensky respeita as regiões anexadas pela Rússia e já parte integra da Federação como determina a sua Constituição? Para Trump, território russo é apenas o que já domina militarmente ou são igualmente os que fazem parte do novo mapa da Federação?

Isto é de grande relevância porque, como Trump tinha dito antes da visita dramática de Zelensky à Casa Branca na passada sexta-feira, 28 de Fevereiro, (ver links em baixo), "ninguém vai colocar em perigo a segurança dos americanos que estiverem a trabalhar nas minas".

Ainda não se sabe qual o desenho do acordo que Zelensky está agora disponível para assinar com Trump, e se este tem em conta o novo "mapa" da Rússia, mas considerando que as `terras raras' desejadas pelo Presidente dos EUA estão, maioritariamente, nas áreas "russas", falta saber como será diluído esse potencial de conflito entre Washington e Moscovo.

Uma possibilidade é que Trump esteja a pensar assinar um acordo semelhante com Putin, no qual estará contemplada a exploração conjunta das riquezas do subsolo da geografia em disputa no conflito entre russos e ucranianos, como, de resto, Putin á veio dizer estar disponível, acrescentando mesmo áreas por explorar fora das regiões de fronteira com a Ucrânia.

A outra, como notam alguns analistas, é que Trump não esteja interessado, de facto, nos minérios da Ucrânia, sendo isso apenas uma justificação, mas sim no controlo dos seus portos, ferrovias e infra-estruturas energéticas, e, principalmente, as férteis e abundantes terras aráveis ucranianas, como de resto há muito se desconfia que estejam já endossadas aos gigantes da agricultura norte-americanas, como a Cargill, a Syngenta ou as Corteva Agriscience.

A ausência de clareza neste processo negocial impede definir prazos sólidos para que a guerra entre russos e ucranianos termine, mas permite perceber que se está apenas a raspar na superfície do problema e que ainda amuito sangue pode correr nas trincheiras no leste europeu antes que a paz chegue para o secar.