Nos anos 80, não era fácil ser negro e jovem e viajar muito pelo mundo, como eu fazia. Antes de viajar, tinha de lavar bem a roupa, porque sabia que tudo iria ser revistado; na América Latina, precisamente no Peru, até trouxeram vários cães para terem a certeza de que eu não era traficante de drogas. No aeroporto internacional de Los Angeles, fui interrogado por horas, revistaram todas as minhas partes íntimas (podem imaginar o resto) porque não acreditavam que eu era jornalista. Sem eu saber, os homens da alfândega encontraram o número do Professor Gerald Bender num bloco de notas na minha bagagem. Chamaram-no e ele confirmou que eu era jornalista.
Os homens da alfândega começaram, então, a fazer-me perguntas sobre os livros que tinha na mala - em língua portuguesa o Machado de Assis, em inglês Evelyne Waugh e em francês Câmara Laye. O Jerry, como lhe tratava, achou a minha experiência no aeroporto altamente surrealista.
Ele gostava muito de contar histórias - e tinha também versões semelhantes nas suas andanças pelo mundo. Mas a paixão do Jerry foi mesmo Angola; mantive um diálogo com ele sobre o país por quase três décadas.
Ultimamente, eu conversava com ele por horas. Uma das lições que aprendi com ele é que as divergências sobre ideias não devem esvaziar as amizades: as pessoas podem manter amizades saudáveis sem concordar em tudo. O Jerry Bender discordava intensamente do falecido presidente da UNITA, Jonas Savimbi. Dizia sempre que a aliança entre a UNITA e a direita americana tinha sido um grande casamento de conveniência; ele dizia que o problema é que os americanos não tinham paciência para entender as complexidades dos fenómenos e viam tudo através da perspectiva da Guerra Fria.
Por outro lado, Jerry Bender era grande admirador do Lúcio Lara e da sua falecida mulher, a Ruth. Foi ele que insistiu que eu lesse com calma os livros de Luandino Viera, que ele muito admirava, e que entendesse o contexto em que estas obras foram produzidas. Na década de 80, o Jerry Bender dizia-me que o Lúcio Lara não era o papão dos editoriais da KUP (agência de notícia da UNITA) ou da VORGAN. Naquela época, havia várias organizações que distribuíam transcrições das várias emissoras; o Jerry lia estes boletins atentamente.
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