Na reunião que decorre, sem excepção, no início de cada mês, os experts da organização que junta, desde 2017, os Países Exportadores (OPEP) e um grupo de independentes encimados pela Rússia, que teve lugar este Domingo, 03, a opção foi manter a pressão do lado da oferta.

Se dúvidas houvesse, o "cartel" deixou claro que ainda é quem mais ordena nos mercados petrolíferos, porque a manipulação da oferta por quem ainda responde por quase 50% da produção mundial assusta qualquer um...

E nem foi preciso trazer para a lista de justificações a questão do afunilamento pelo fogo dos rebeldes Huthis, do Iémen, do acesso ao Canal do Suez, garantindo mais um afundamento de um cargueiro britânico, sem que a força naval ocidental no local mostre ter capacidade de dissuasão.

E é assim que o barril de Brent, esta manhã de segunda-feira, 04, surgiu nos gráficos dos mercados com vontade de carregar no verde, subindo para praticamente 84 USD (83,90 USD), com ganho de 0,42% em relação ao fecho da passada sexta-feira.

Por detrás deste início de semana positivo está o prolongamento dos cortes à produção na OPEP+, de 2,2 milhões de barris por dia (mbpd), para o segundo quadrimestre deste ano, ao que se soma 1 mbpd por iniciativa singular da Arábia Saudita, e 500 mil bpd da Rússia, os dois líderes de facto do "cartel".

Mas não se pode dizer que uma subida de menos de meio por cento seja uma reacção efusiva a esta decisão da OPEP+, até porque não se esperava que a organização fizesse outra coisa, mas já é mais estranho o mutismo dos mercados face à continuidade dos ataques dos Huthis.

Isto, porque as potências ocidentais, incluindo Estados Unidos e Reino Unido, enviaram há meses para a região que abrange o Mar Vermelho, o Estreito de Bab al-Mandeb, que liga ao Mar Arábico, uma poderosa força naval para garantir a segurança neste corredor marítimo.

O que acontece é a continuidade dos ataques por um grupo rebelde que os media ocidentais começaram por descrever como um bando de esfarrapados mas depois mudaram para um arrojado grupo de milícias bem organizadas e apoiadas pelo Irão.

Como notam as agências, a única surpresa veio da Rússia que, apesar de ter mantido o corte de meio milhão de barris por dia, incidindo tanto na produção como na exportação do seu crude, optou por aumentar o volume dos cortes mas reduzindo o aperto do lado da exportação.

Esta jogada dos russos representa um aumento no rendimento tirado por Moscovo das vendas para o exterior no lado das exportações mas permite, se for integralmente cumprido, retirar volume disponibilizado nos mercados, podendo levar a novas subidas no valor do barril.

Os analistas destacam ainda que com esta decisão, a OPEP+ volta a dar uma imagem de coesão interna, que tinha sido ligeiramente abalada em Dezembro último com a saída de Angola da organização por decisão estratégica de Luanda.

Os dados da China revelam um novo músculo para a sua indústria exportadora e nos Estados Unidos os dados são igualmente bons, embora a inflação alta modere o optimismo, o que, fora um ou outro "cisne negro", só a paz em Gaza poderia fazer esfumar estes ganhos ao retirar o risco do Mar Vermelho.

As contas de João Lourenço

Para Angola, apesar de ter abandonado a OPEP recentemente, que é um dos produtores e exportadores que mais dependem da matéria-prima em todo o mundo, devido à escassa diversificação económica, ter o Brent nos 83 USD permite, embora não seja o antidoto definitivo, diluir alguns dos efeitos devastadores da crise cambial e inflacionista, até porque o país enfrenta também o problema da persistente redução da produção diária.

Com OGE 2024 elaborado com um valor de referência médio para o barril de 65 USD, estes valores actuais permitem um relativo optimismo, mas aumentar a produção é o factor-chave, o que ficou mais fácil depois de Angola ter, em Dezembro passado, anunciado a saída de membro da OPEP, o que deixa um eventual acréscimo da produção fora dos limites impostos pelo cartel aos seus membros como forma de manter os mercados equilibrados entre oferta e procura.

O crude ainda responde por cerca de 90% das exportações angolanas, 35% do PIB nacional e 60% das receitas fiscais do país, o que faz deste sector não apenas importante mas estratégico para o Executivo.

O Presidente da República, João Lourenço, deposita esperança, no curto e médio prazo, de conseguir o objectivo de aumentar a produção nacional, actualmente perto dos de 1,12 mbpd, gerando mais receita no sector de forma a, como, por exemplo, está a ser feito há anos em países como a Arábia Saudita ou os EAU, usar o dinheiro do petróleo para libertar a economia nacional da dependência do... petróleo.

O aumento da produção nacional não está a ser travada por falta de potencial, porque as reservas estimadas são de nove mil milhões de barris e já foi superior a 1,8 mbpd há pouco mais de uma década, o problema é claramente o desinvestimento das majors a operar no país.

Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada e prevista redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.

Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.

A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.