Esta decisão é tomada pouco depois de o Tribunal Penal Internacional (TPI) ter libertado Bemba da cadeia, onde estava a cumprir uma pena de 18 anos, por concluir ausência de fundamento para a condenação, em 2008, por crimes contra a humanidade e guerra na República Centro-Africana, em 2003, cometido por um grupo militar que o próprio comandava.
E a tempo de se candidatar às presidenciais de 23 de Dezembro na RDC.
A informação de que Bemba vai voltar a RDC, normal depois de ter sido libertado pelo TPI, altera totalmente o jogo eleitoral no país, onde se perfilam alguns candidatos de peso à substituição do Presidente Kabila, há dois anos no poder para lá do tempo regulamentar devido a expedientes.
Félix Tshisekedi, filho do histórico líder da UDPS e antigo adversário de Kabila, Moise Katumbi, antigo governador do Katanga e alvo de perseguição pela justiça no seu país de cariz político, e Jean-Pierre Bemba, candidato derrotado mas não convencido nas eleições de 2001, contra o actual Chefe de Estado, a par do próprio Joseph Kabila, que ainda não clarificou sem margem para quaisquer duvidas as suas intenções, são os principais actores da mudança ou da continuidade na RDC.
o ministro dos Negócios Estrangeiros, Leonard She Okitundu, foi o mensageiro da decisão de agraciar Bemba com um passaporte diplomático, embora não fosse razoável tentar impedir o seu regresso - apesar da rivalidade e histórica inimizade entre ele e Kabila -, depois de o TPI o ter ilibado e contra ele não existirem processos judiciais no seu país que Kinshasa já disse que o caso de 2003 foi apenas entre a RCA e o TPI.
O TPI, há duas semanas, divulgou a libertação de Bemba justificando com a falta de provas concludentes de que os crimes realizados pelos militares poderiam ser evitados por si, alegadamente porque não tinha voz de comando na altura sobre os seus homens na RCA, país vizinho que atravessava, tal como hoje, um alvoroço revolucionário e uma intensa luta pelo poder entre diversas facções étnicas e religiosas e domínio sobre os avultados recursos naturais, especialmente diamantes.
Jean-Pierre Bemba deverá encabeçar uma candidatura, como, alias, o seu partido já disse ser incontornável.
Sim, mas...
Aparentemente, segundo os analistas congoleses, a única coisa que pode travar uma candidatura de Jean-Pierre Bemba é a questão que ainda tem pendente no TPI, um segundo processo, sobre o qual o tribunal de Haia ainda não se pronunciou de forma definitiva mas que os seus advogados dizem acreditar que venha a ser uma decisão semelhante, visto que é a mesma tipologia criminal que lhe está subjacente.
A eventual condição de inelegível para Bemba só poderá ser determinada pela justiça da RDC, existindo essa possibilidade porque a lei eleitoral exclui da corrida aqueles que foram ou estão condenados por crimes contra a humanidade, como foi o caso, embora esta reviravolta no TPI possa levar apagar esse registo.
Até porque os juízes do TPI aceitaram que Bemba não participou nem autorizou os crimes em questão, sendo parte destes de violações de menores na RCA por militares comandados pelo ex-Vice-Presidente da RDC, em 2002 e 2003, durante o conflito que, à época, manteve aquele país vizinho a ferro e fogo devido ao golpe que levou Ange-Félix Patassé ao poder, com o seu apoio, destituindo François Bozizé.
Bemba, a ameaça a Kabila
Facto é que o seu partido, o Movimento de Libertação do Congo (MLC) não tem dúvidas que o quer como candidato, que esta é a hora certa para derrotar Kabila e o seu regime, mas entre o querer e o poder fica o possível e isso depende, por exemplo, de uma outra condenação, em 2017, por tentativa de suborno de testemunhas arroladas pelo TPI no âmbito do processo contra por crimes de guerra e contra a humanidade em 2003, na RCA.
A primeira reacção do Governo de Joseph Kabila, de quem Bemba é um dos grandes opositores, partiu do seu porta-voz e ministro da Comunicação, Lambert Mende, que disse que não se pronunciava por razões deontológicas, visto que o problema de Bemba não foi com a justiça na RDC mas sim com questões ocorridas na RCA, deixando no ar, no entanto, alguma má disposição com a sua libertação ao afirmar aos jornalistas que não iria dizer se se trata de uma má notícia ou de uma boa notícia.
Também Moise Katumbi, pré-candidato e igualmente opositor a Kabila, apontou a libertação de Jean-Pierre Bemba como um grande momento para a liberdade e justiça, que tem agora uma nova e positiva era na justiça contra "os falsos julgamentos".
Félix Tshisekedi, líder da UDPS, o maior partido da oposição na RDC, sublinhou igualmente a sua alegria pela libertação de Bemba e admitiu que esse facto poderá abrir uma nova fase na política nacional, com o reforço claro das alternativas ao poder totalitário de Kabila.
A reacção de Kabila, de viva voz, ainda não aconteceu, mas deverá mexer-se contra Bemba porque é claramente mais um problema a ultrapassar na sua corrida à manutenção do poder, que está claramente em curso.
Kabila é candidato, ou não?
O actual Presidente da República Democrática do Congo está constitucionalmente impedido de se candidatar a um 3º mandato, mas os seus adversários acreditam que está mesmo a preparar o terreno para se recandidatar, pondo o gigante Congo, de novo, a um passo do caos e o continente africano a dois de uma enorme dor de cabeça.
Depois de o seu Partido Popular para a Reconstrução e Democracia (PPRD) ter lançado, há semanas, uma campanha com a cara de Kabila anunciando-o como o seu "candidato 100%", agora surgiu aquilo que é já considerado como a plataforma que assegura a incontornável candidatura de Kabila, excepto se a RDC voltar a ser afogada em violência, como aconteceu em 2017.
A plataforma recém-criada Frente Comum para o Congo (FCC), denominada como "grande coligação eleitoral", que deverá substituir a anterior Maioria Presidencial (MP) que Kabila usou como moldura para as suas candidaturas anteriores, apontou Joseph Kabila como figura titular da campanha que está subjacente à sua criação.
Apesar de Kabila ainda não ter dito de viva voz que é candidato, e face ao facto de a Constituição ser peremptória no impedimento de um 3º mandato consecutivo, o seu partido, o PPRD, já tirou as dúvidas ao garantir que não existe outro candidato senão ele.
Isto surge em contra-mão com o que diz o primeiro-ministro da RDC, Bruno Tshibala, que garantiu já que não, que Kabila não é candidato e até, a partir do Canadá, anunciou que o próprio iria fazer esse anúncio formal em Luanda, à frente dos lideres regionais da SADC.
Ainda não sucedeu, mas a visita recente do ministro dos Negócios Estrangeiros congolês a Luanda deixa antever que poderá acontecer em breve.
Recorde-se que no denominado São Silvestre, assinado a 31 de Dexembro de 2016, depois de um adiamento das eleições e num ambiente de terror nas ruas de Kinshasa e das principais cidades do país, com dezenas de milhares a protestar contra Kabila e a exigir eleições, com centenas de mortos e milhares de feridos pelo caminho, o Presidente assumia a condição de não ser candidato e de organizar eleições em 2017.
Isso não aconteceu e Kabila reagendou a ida às urnas para 23 de Dezembro deste ano, 2018, sem nunca garantir que não é candidato, deixando apenas os seus mais próximos dizerem que a Constituição não será violada.
Os interesses em jogo são muitos, com milhões em jogo nos muitos negócios que ele e a sua família têm nas principais empresas do país.
Mas, ao mesmo tempo, põe em marcha uma gigantesca operação de promoção da sua candidatura, com outdoors e programas de rádio nas comunidades mais remotas, sendo, agora, a escassos seis meses das eleições - se a data for cumprida -, a máscara caiu e é já claro que Kabila está a preparar a sua recandidatura com vigor e empenho.