Segundo a versão de duas das jovens, irmãs, de 13 e 15 anos, foram detidas nas imediações da Cidadela Desportiva, quando, no Sábado, deixavam a casa de uma tia e foram interpeladas por uma patrulha da Polícia de Intervenção Rápida (PIR) que, "sem nem mais nem porquê", as enfiou dentro da viatura, onde já estavam alguns detidos na manifestação, acabando por fazer parte dos 103 sem que tivessem qualquer relação com os protestos.
"Fomos detidas na rua, nas imediações da Cidadela Desportiva, quando saíamos de casa da nossa tia para casa dos nossos pais. Levaram nos para a 9ª esquadra, e, já de noite, acordaram-nos quatro agentes encapuçados com ameaças para nos forçarem a confessar coisas que não fizemos", contou uma das jovens, numa das salas do Tribunal Provincial de Luanda, "Palácio D. Ana Joaquina", onde aguardavam para serem ouvidas.
Estas duas raparigas continuavm, na tarde de hoje, quarta-feira,28, detidas porque estavam no primeiro grupo de 27 detidos que deveriam ser ouvidos na terça-feira mas que apenas sete tiveram a oportunidade de falar com o juiz encarregado deste processo sumário.
"Roubaram os nossos telemóveis e a carteira com bilhete de identificação. Foram mais de cinco horas de terror", contou ainda a menor, que vive em Viana e foi apanhada em Luanda quando visitava uma familiar próximo da Cidadela Desportiva, um local que dista cerca de 1 km do local de concentração da manifestação organizada pela sociedade civil que contou com o apoio da UNITA e do Bloco Democrático.
"Por volta das 02:00 da manhã, quando os agentes nos acordaram, nos tiraram das celas e levaram-nos para a esquadra do bairro dos Ossos, no Sambizanga. Colocaram-nos em celas precárias sem condições, o quarto de banho está péssimo, fizemos as necessidades maiores e menores em baldes, dormimos no chão simples", descreve ainda a menor de 13 anos ao Novo Jornal, afirmando estar preocupada porque os seus pais não sabem o que lhes aconteceu.
Já Engrácia dos Santos, de 16 anos, residente no bairro do Kikolo, detida nas imediações do Largo 1.º de Maio, disse ao Novo Jornal que foi convidada por um amigo de 22 anos, pertencente ao Movimento de Estudantes Angolanos (MEA), que também está detido, para uma actividade na baixa de Luanda, garantindo que não fazia ideia e nem imaginava que se tratava de uma manifestação.
"Quando chegamos ao local, notei a presença de vários polícias, muita gente a correr de um lado para outro, não sabia do que se tratava. Perguntei o que se estava a passar, ele respondeu-me que era uma manifestação e que podíamos fazer parte... Eu recusei, no momento em que regressava para casa, fui interpelada por uma viatura da polícia nas imediações da Feira Popular, começaram agredir-me e depois colocaram-me no carro. Não me deram tempo de explicar nada", revelou.
Engrácia dos Santos faz parte do grupo das adolescentes que os familiares desconhecem o paradeiro desde Sábado, 24.
"O meu pai está fora do país, a minha mãe não sabe o meu paradeiro, porque quando saí de casa com o meu amigo não dei a conhecer a ninguém", justifica, lamentando que nada fez para ser agredida e detida.
As duas mulheres gravidas que ao início da noite desta terça-feira,27, foram postas em liberdade, afirmaram que foram detidas quando saiam do Mercado dos Congolenses e também nada tinham a ver com a manifestação.
"Os agentes da polícia da Brigada Canina, foram quem nos deteve, interpelaram-nos e pediram os nossos documentos. Dissemos que deixamos a carteira na viatura e eles não quiseram saber. Ficaram com os sacos das compras e mandaram-nos subir numa patrulha da Unidade Operativa de Luanda", descreveu a mulher em declarações ao Novo Jornal.
"Demos a conhecer aos agentes que estamos gravidas, um dos agentes mandou-me calar a boca e empurrou-me na viatura e depois agrediu-nos com bastões do braço esquerdo", acusa Júlia Simão, de 37 anos, salientando que um dos agentes imobilizou a sua prima de imediato.
"Outro agarrou-me, colocou as algemas e começou a remexer as minhas coisas e, depois, disseram-nos que estávamos presas porque estávamos a fazer parte da manifestação", acrescenta.
Só por volta das 05:00 de Domingo, quase 20 horas depois de terem sido detidas, foram levadas para serem ouvidas pelo SIC-Luanda, no Comando Municipal do Kilamba Kiaxi da Polícia Nacional, onde estava já mais um grupo de mulheres detidas na operação policial relacionada com a manifestação.
As duas grávidas foram postas em liberdade na tarde de terça-feira, quase 72 depois de terem sido detidas.
O Novo Jornal contactou o porta-voz do Comando Provincial de Luanda da Polícia Nacional, inspector-chefe Nestor Goubel, que negou todas as acusações contra a corporação em Luanda e garantiu que nesta altura as pessoas querem pintar um quadro que não existe para manchar a imagem da Polícia Nacional.
"Nas esquadras não houve maus estratos para nenhum dos detidos, isso é mentira, as pessoas querem denegrir a imagem da Polícia Nacional", garantiu, sublinhando que existe um certo interesse de certos indivíduos que querem pintar um quadro que realmente na existem para sujar a boa imagem da corporação.
Sobre a possibilidade de alguns dos detidos nada, como alegam, terem a ver com a manifestação, o oficial da PN garante que essa possibilidade não existe, porque as detenções foram todas realizadas no contexto do protesto.
Entretanto, o julgamento dos 103 detidos continuou hoje no TPL, onde estão a ser ouvidos cerca de 20 jovens do grupo de 27 que começou a ser julgado na terça-feira.
Face ao elevado número de detidos e a morosidade processual, este julgamento, apesar de sumário, poderá demorar vários dias.