Sindika Dokolo, empresário natural da República Democrática do Congo (RDC) e marido de Isabel dos Santos, teceu hoje duras críticas ao Presidente congolês Joseph Kabila, a quem responsabiliza pela instabilidade no país e aponta o dedo directamente na questão dos conflitos no Kasai, responsáveis pelos milhares de refugiados que estão na Lunda Norte para fugirem à violência no país vizinho, a quem acaba de enviar 200 toneladas de ajuda humanitária.
Em entrevista ao jornal belga La Libre Belgique, o empresário congolês mostra-se chocado com a violência que eclodiu no Kasai e Kasai Oriental com a sublevação das milícias do antigo chefe tribal Kamwina Nsapu, sugerindo que esta tem na sua génese "uma vontade deliberada de criar uma crise sub-regional".
E, no mesmo tom, recorda que a RDC atravessa uma crise eleitoral grave com o Presidente Joseph Kabila a ter ultrapassado o limite do seu segundo e último mandato constitucionalmente permitido e que é razoável pensar que "tudo foi feito para que não haja eleições", como seja o atraso no registo eleitoral, ou um referendo ou a morte de funcionários da ONU, assassinados com a intenção, admissível, de levar a ONU a retirar-se do processo eleitoral, "tudo indicando que se trata de uma estratégia de terra queimada".
"Se for o caso, e face ao balanço trágico em vidas humanas, isso poderia - e sublinho o condicional - revelar-se como uma questão para a Justiça Internacional ou para o Tribunal Constitucional, a quem cabe estabelecer os termos que constituem o crime de alta traição. É dramático pensar que políticos possam ter instrumentalizado a morte de congoleses e civis estrangeiros com fins políticos", diz Sindika Dokolo.
Questionado pelo "La Libre" sobre a possibilidade de as milícias da Nsapu não serem, efectivamente, responsáveis pelo caos prevalecente no Kasai, Sindika Dokolo lembra que estas pessoas eram aldeãos que vivem em sistemas religiosos comunitários e, de repente, "transformaram-se numa força armada com objectivos de natureza militar", sublinhando que isso "não é muito credível", o que permite, aponta, "pedir ao Governo de Kinshasa - Joseph Kabila - que assuma as suas responsabilidades e que faça luz sobre estes problemas".
Críticas e ajuda humanitária
Uma das consequências da violência que há cerca de um ano eclodiu no Kasai, tendo o assalto ao aeroporto de Kananga, em meados de 2016 como o ponto alto e a aparição das milícias de Nsapu nas páginas dos jornais de todo o mundo, foi a deslocação forçada de quase um milhão de pessoas na região afectada, depois de mais de 400 mortos confirmados, tendo a província angolana da Lunda Norte, que faz fronteira com os Kasai, acolhido até ao momento mais de 30 mil refugiados congoleses.
É para estas pessoas que o empresário e grande coleccionador de arte africana, Sindika Dokolo, anunciou que está a enviar 200 toneladas em apoio humanitário, nomeadamente alimentos base, como farinha e arroz, como forma de acudir à crise humanitária que a ONU e as suas agências no terreno já admitiram como sendo uma das mais graves nesta parte de África.
Face a esta tomada de posição e ao apoio enviado aos seus compatriotas, pode emergir a dúvida sobre se haverá uma intenção de abraçar a política congolesa, nomeadamente através de uma candidatura presidencial.
As eleições, se o acordo assinado entre Kabila e a oposição a 31 de Dezembro de 2016, que permitiu o serenar dos ânimos em Kinshasa, depois de centenas de mortos em manifestações, for cumprido, terão lugar ainda este ano, muito a tempo de Dokolo preparar uma campanha e a respectiva candidatura.
Para já, do que é conhecido, e como é referido nesta entrevista ao jornal belga, uma eventual candidatura não está nos seus planos, crendo mesmo o empresário que "já há candidatos e homens políticos suficientes" na RDC.
Perigo para a sub-região
Admite ainda que existe um perigo real para Angola, país que partilha 2 000 km"s com a RD Congo e lembra que não vai ser fácil recuperar um país onde muitas das suas regiões, algumas maiores que países europeus, há décadas que não conhecem mais nada senão a guerra e a desumanização, gerando mesmo uma analogia com o Iraque dos anos de 1990, sublinhando que o mesmo tipo de caos pode gerar o mesmo género de consequências.
Quanto ao impacto em Angola da crise congolesa, Sindika Dokolo lembra que também Angola atravessa um crise, embora de natureza económica, e está em fase pré-eleitoral, sendo esse contexto uma plataforma onde podem assentar as consequências da instabilidade na RDC.