Os mercados estão a adivinhar que a Reserva Federal norte-americana não vai mexer nas taxas de juro directoras, como estava a ser antecipado, porque a inflação na maior economia do mundo teima em manter-se ao largo dos 2%, o objectivo nos EUA e também na Europa.

Com esta ligeira subida de 0,2% o barril de Brent, a referência mais importante para as ramas exportadas por Angola, põe fim a quase uma semana de descidas diárias, embora todas elas de escasso valor, tendo, entre o dia 22 e esta segunda-feira perdido perto de 2 USD.

Com efeito, o barril de Brent estava perto das 10:15 desta terça-feira, hora de Luanda, a valer 82,51 USD, menos mais 0,02% que na terça-feira, 26, o que garante um largo superavit face aos 65 USD de valor médio com que o Executivo de João Lourenço elaborou, conservadoramente, o OGE 2024.

O dado relevante neste contexto é as razões que estão por detrás da teimosia da inflação norte-americana em não corresponder às expectativas, mesmo que esteja a confirmar que a economia não é uma ciência exacta e pouco dada a corresponder aos desejos.

Alguns economistas admitem que a razão para a resiliente inflação no andar de cima dos 2% desejados está na extensão dos problemas nas cadeias de abastecimento criados ainda pela pandemia e também por causa de um afunilamento no mercado de trabalho.

Mas há um terceiro elemento que causa algum incómodo, que é o que advém dos elevadíssimos dividendos das grandes corporações, que leva à cobiça de manter e que só é possível mantendo os preços elevados, mesmo que isso não tenha um racional por detrás.

Tal contexto, deixa de fora ferramentas "naturais" de gestão da inflação, dentro das leis de mercado, o que impõe o recurso a restrições exógenas impostas pelo Governo da FED, situação que não é vista com bons olhos nos mercados internacionais porque condiciona o consumo de crude através da redução da procura do lado da indústria.

Os piratas estão de volta...

Todavia, o conflito em Gaza não saiu ainda da lista das causas para o sobe e desce nos mercados, e acaba de para ela entrar outra razão, que é o ressurgimento da pirataria na costa oriental africana, que rapidamente deve acontecer igualmente na costa ocidental.

Depois de os navios comerciais, sejam os grandes porta-contentores como os petroleiros gigantes, que demandavam o Canal do Suez, pelo Mar Vermelho, terem sido empurrado desta rota pelos ataques dos Huthis do Iémen, estes optaram pela volta mais larga do sul de África.

Com esta volta maior pelo Cabo da Boa Esperança, os custos de transporte, tanto de bens como do crude, subiram como ricochete, mas, agora, podem voltar a sofrer redobrado impacto porque a pirataria, quês estava mais ou menos controlada na costa africana, está de volta.

E se o Canal do Suez não estar disponível sem elevados riscos, aumentando grotescamente os seguros em prática, e obrigatórios, e a costa africana voltar a ser uma ameaça da dimensão que foi, por exemplo, entre 2010 e 2018, então o mundo pode estar à beira de um ataque nervos.

O envio de navios de guerra para o Mar Vermelho foi a solução encontrada para debelar a ameaça dos Huthis, tal como foi no passado para erradicar os piratas da costa da Somália ao norte de Moçambique, ou na África Ocidental, no Golfo da Guiné, mas a questão é que dificilmente haverá frotas suficientes para abranger uma área desta dimensão.

Sem acesso pelo Suez ao Atlântico, via Mediterrâneo, e com o sul de África barricado pela pirataria, tanto os 13% de crude que até agora usavam a via a norte como os mais de 15% do comércio de bens, os grandes petroleiros oriundos do Golfo Pérsico e os navios de mercadorias vindos da China e da Índia, por exemplo, podem ficar entalados entre dois perigos insustentáveis.

Para Angola, as contas são simples de fazer...

Para Angola, apesar de ter abandonado a OPEP recentemente, que é um dos produtores e exportadores que mais dependem da matéria-prima em todo o mundo, devido à escassa diversificação económica, ter o Brent nos 82 USD permite, embora não seja o antidoto definitivo, diluir alguns dos efeitos devastadores da crise cambial e inflacionista, até porque o país enfrenta também o problema da persistente redução da produção diária.

Com OGE 2024 elaborado com um valor de referência médio para o barril de 65 USD, estes valores actuais permitem um relativo optimismo, mas aumentar a produção é o factor-chave, o que ficou mais fácil depois de Angola ter, em Dezembro passado, anunciado a saída de membro da OPEP, o que deixa um eventual acréscimo da produção fora dos limites impostos pelo cartel aos seus membros como forma de manter os mercados equilibrados entre oferta e procura.

O crude ainda responde por cerca de 90% das exportações angolanas, 35% do PIB nacional e 60% das receitas fiscais do país, o que faz deste sector não apenas importante mas estratégico para o Executivo.

O Presidente da República, João Lourenço, deposita esperança, no curto e médio prazo, de conseguir o objectivo de aumentar a produção nacional, actualmente perto dos de 1,12 mbpd, gerando mais receita no sector de forma a, como, por exemplo, está a ser feito há anos em países como a Arábia Saudita ou os EAU, usar o dinheiro do petróleo para libertar a economia nacional da dependência do... petróleo.

O aumento da produção nacional não está a ser travada por falta de potencial, porque as reservas estimadas são de nove mil milhões de barris e já foi superior a 1,8 mbpd há pouco mais de uma década, o problema é claramente o desinvestimento das majors a operar no país.

Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada e prevista redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.

Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.

A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.