A "ordem" divulgada pelo "quartel-general" da União Europeia nas últimas horas apanhou toda a gente de surpresa e algum pânico escorreu pelos media europeus ocidentais, porque se a mais alta instância europeia manda a população estar preparada, é porque o risco tem de o justificar.
Não é a primeira vez que este tipo de instrução é dada na Europa, porque países como a Suécia, que emitiu mesmo um folheto em 2024 a ensinar a sua população a reagir em caso de ataque dos russos, e a Suíça, que tem como norma essa preparação permanente, mas uma instrução com esta dimensão, para os mais de 400 milhões de habitantes do bloco europeu, teria de criar receio e pânico.
Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia em 2022 que a Europa ocidental tem insistido na ideia de que Moscovo, como nos velhos tempos da "Guerra Fria", que terminou em 1991 com o colapso da União Soviética, tem intenções de ocupar parte da Europa ocidental.
Como notam alguns analistas, como o major-general Agostinho Costa, o que falta às lideranças europeias justificar é como é que a Rússia não conseguiu em mais de três anos ocupar mais de 20 por cento da Ucrânia, incluindo partes relevantes das províncias ucranianas que anexou em 2022, mas quer invadir os restantes países europeus.
Naturalmente que não escapou aos analistas menos alinhados com os líderes europeus na sua insistência na guerra com a Rússia em nome da liberdade ucraniana, que este tipo de iniciativas tem como objectivo preparar psicologicamente a população europeia para a nova política armamentista de Bruxelas.
Depois de lançar o projecto de rearmamento da Europa até 2030, com um investimento gigantesco de 800 mil milhões de euros, defendido com especial empenho pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, Bruxelas tem de convencer as populações do bloco a aceitar desviar centenas de milhões de euros da sua segurança social, saúde, educação... para a compra de armas.
E esse projecto tem estado a ganhar resistência, como se pode verificar nos media europeus depois de von der Leyen ter feito a proposta de rearmar a Europa justificando com a ameaça russa, o que pode, por questões eleitorais, levar os Governos europeus a recusar alinhar na ideia que muitos consideram abusiva.
E é para contornar esse risco de a proposta de rearmar a Europa ser chumbada pelos Governos nacionais dos 27 países que compõem a União Europeia que Ursula Leyen e a sua equipa, onde está o português António Costa, lançaram esta ideia de criar um kit de sobrevivência "anti-Rússia" para reduzir a resistência das populações aos gastos de 800 mil milhões de euros e a redução substancial da sua qualidade de vida, passando a ter pior saúde, educação e menos segurança social.
Cimeira de Paris explica kit
A instrução para a preparação do kit de sobrevivência não diz claramente que é por causa da ameaça russa, mas essa ligação é evidente face ao contexto actual em que a generalidade da política externa de Bruxelas está concentrada no apoio a Kiev para manter a guerra com Moscovo.
Isso mesmo se percebe com a Cimeira que tem lugar esta quinta-feira, 27, em Paris, organizada pelo Presidente francês Emmanuel Macron, onde vão estar cerca de três dezenas de países, incluindo alguns de fora da União Europeia, como o Reino Unido, com um único ponto na agenda: reunir apoios financeiros e em armamento para enviar para a Ucrânia.
A denominada "Coligação de Vontades", onde vai estar o Presidente Ucraniano, Volodymyr Zelensky, tem como objectivo, segundo a France24, canal de notícias estatal francês, criar condições para que Kiev esteja armada e preparada para os desafios futuros.
Desafios esses que Macron explicou como sendo de duas vertentes, por um lado garantir que Kiev e os seus aliados europeus serão tidos em conta nas negociações que decorrem entre os Estados Unidos e a Rússia, exigindo serem ouvidos, de forma a defender os interesses de Kiev e de Bruxelas e de Londres, e por outro, substituir o apoio militar que Washington deverá interromper e tem vindo a reduzir.
Esta é mais uma Cimeira entre dezenas que já tiveram lugar no último ano, e que, apesar da retórica belicista e de apoio ilimitado a Kiev, ainda não foi conseguido um consenso, tendo mesmo a proposta da mais aguerrida dos lideres europeus na defesa da guerra directa com a Rússia, Kaja Kallas, a chefe da diplomacia de Bruxelas, de 40 mil milhões morrido antes de ser discutida.
O cenário de degradação do poder europeu tem sido mesmo sublinhado em vários fóruns, sendo esta corrida das Cimeiras tentativas até agora falhadas de evitar a secundarização da Europa Ocidental nas grandes discussões globais onde russos, norte-americanos, chineses e também a Índia, estão a erguer uma nova ordem mundial.
A prova da crescente insignificância europeia fica demonstrada na forma como Washington e Moscovo a ignoram nas suas discussões para parar a guerra na Ucrânia e estão a desenhar o cessar-fogo parcial (ver links em baixo) sobre as infra-estruturas energéticas e no corredor comercial do Mar Negro.
Uma das exigências da linha dura europeia face a Moscovo, protagonizada pela França, Reino Unido e Países Bálticos é o envio de um contingente militar criado no seio da NATO mas sem essa bandeira, para a linha da frente como garante e protecção da Ucrânia assim que um cessar-fogo estiver acordado.
A esta ideia, o Kremlin já disse um rotundo "não" e, entre avisos de que uma força europeia será vista como um alvo legítimo pelas forças russas, acusou Londres e Paris de estarem a insistir nessa via para conseguirem consolidar uma presença militar robusta em solo ucraniano, o que será uma "invasão do país".