O Ministério da Defesa chinês não podia ter sido mais claro: qualquer avanço na direcção da independência de Taiwan significará uma guerra porque "quem brinca com o fogo acaba por se queimar", num claro aviso à navegação por parque de Pequim para marcar a chegada ao poder da nova Administração norte-americana liderada pelo democrata Joe Biden.
Este aviso musculado de Pequim é uma repetição cíclica sempre que uma nova Administração chega ao poder em Washington, como sucedeu em 2016, com a entrada de Donald Trump na Casa Branca, e é consequência da emergência da China como potência militar, primeiro, e depois, económica, com crescente imposição de regras sobre toda a vastidão do sudoeste asiático, Mar do Sul da China, numa disputa de influência regional com os Estados Unidos da América.
Taiwan é, desde os anos de 1950 uma pedra no sapato da China continental, depois de a ilha ter imposto uma autonomia vigorosa a partir de posições ganhas pelas forças do líder separatista Chiang Kai-Shek, e o seu Kuomintang, após a II Guerra Mundial, em 1949, quando se refugiou na ilha, após enfrentar e perder com Mao Tse Tung, fundador na República Popular da China (RPC), mantendo, até à data uma paz rarefeita mas com Pequim a nunca admitir sequer que Taiwan possa um dia aspirar à independência.
Tenha-se ainda em consideração que o Kuomintang tem como referência histórica e legado de Chiang Kai-Shek liderar toda a China e não apenas a ilha de Taiwan.
E, com a China continental a olhar para Taiwan como parte integrante do seu território, qualquer iniciativa que permita "adivinhar" a intenção de avançar na consolidação da ideia de independência, em Pequim soam todas as campainhas de alerta.
Isto, apesar de Taiwan manter um regime político completamente distinto do de Pequim, com uma democracia consolidada face a uma ditadura do Partido Comunista Chinês.
Após a eleição de Donald Trump, em 2016, poucas horas depois, surgiu a primeira crise entre Pequim e Washington, despoletada por uma desafiadora chamada telefónica de felicitações da Presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, a que o então eleito inquilino da Casa Branca correspondeu, contrariando a tradição de manutenção de tensão baixa com a China continental.
De imediato, o porta-voz do Gabinete da República Popular da China para os Assuntos de Taiwan, citado pela imprensa oficial, avisou em tom sério e severo: "Temos uma irresolúvel vontade, grande confiança e capacidade suficiente e os factos mostrarão a essas pessoas que a independência de Taiwan é uma via sem saída".
Esta troca azeda de palavras acontece porque Trump saltou por cima de uma tradição de quatro décadas em que o Presidente eleito dos EUA não aceita a chamada dos lideres de Taipé, respeitando a posição chinesa de uma só China.
Mas Donald Trump não se ficou por aqui e, nos dias seguintes esticou a corda com Pequim, questionando o porquê de os EUA terem de respeitar e permanecerem "amarrados" a um política de "uma só China" sem uma clara contrapartida de Pequim que resulte em ganhos para Washington, nomeadamente no comércio.
Como se veio a verificar nos meses e anos seguintes, as duas maiores potências económicas do mundo deram início a uma das mais nefastas guerras comerciais na forma de taxas gigantescas aplicadas às importações de um e do outro lado.
Agora, com Joe Biden e Kamala Harris a chegarem ao poder nos EUA, iniciando, através do Secretário de Estado Antony Blinken, conversações com os países da região asiática, da Europa, sobre questões de segurança e defesa centradas na área estratégica do Mar do Sul da China.
A resposta de Pequim não podia ser mais esclarecedora: qualquer mexida no estatuto de Taiwan significará a guerra, com o porta-voz do Ministério da Defesa chinês a explicar que o Exército da RPC está a conduzir exercícios miliares nas proximidades de Taiwan como resposta a "interferências externas" e a "provocações das forças independentistas" de Taipé, a capital da ilha "rebelde".
"Estamos a dizer de forma clara às forças independentistas de Taiwan que quem mexe no fogo, queima-se" porque as forças armadas da RPC "vão tomar todas as medidas consideradas necessárias para colocar um ponto final em quaisquer tentativas de separatismo de forma a manter a integridade territorial e a soberania", afirmou o porta voz do Ministério da Defesa da China.
Esta troca de palavras decorre ao mesmo tempo que a frota naval dos EUA nesta região do mundo, incluindo porta-aviões, entrou no Mar do Sul da China alegadamente para garantir a liberdade de circulação, enquanto as forças chinesas se movimentam em função desta crescente tensão, nomeadamente com voos militares no espaço aéreo taiwanês e nas fortemente disputadas águas do sudoeste asiático.
A história tem mostrado que se trata apenas de as partes, especialmente os EUA e a China, marcarem posições numa das mais perigosas regiões do mundo, sempre que uma nova Administração sobe ao poder nos Estados Unidos. Mas a verdade é que uma faísca a mais pode gerar uma fogueira que todos vão saber como começou mas ninguém poderá dizer como vai ser apagada.