As primeiras imagens de satélite divulgadas pela Agência Espacial Europeia (na foto, zona alagada em tom avermelhado) não enganam: a tragédia é imensa e pode ser ainda maior tendo em conta que foi criado, com o transbordo dos rios Pungue e Búzi, na província de Sofala, em redor da cidade da Beira, onde mais de 400 mil pessoas sentiram a fúria do ciclone Idai, um imenso lago com 125 km"s de cumprimento e 30 de largura, polvilhado por pequenas ilhas constituídas por telhados e árvores e pequenas elevações onde milhares de pessoas lutam para sobreviver mais uma hora na esperança de que o socorro chegue.
Os mortos já são centenas, os feridos milhares e a fome e a sede ameaçam levar o balanço da tragédia para números de dimensão bíblica, dando corpo à ideia lançada pelas agências da ONU no terreno que admitem ser esta a maior catástrofe natural jamais sentida no Hemisfério Sul.
O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi já admitiu que o número de mortos pode ultrapassar os mil, só no país.
Mas, apesar de nas últimas horas a chuva ter ganho alguma intensidade, como previa a meteorologia, as águas começaram já a mostrar sinais de recuo, o que facilita o acesso das equipas de socorro aos locais mais afastados e até agora inacessíveis.
Por outro lado, o apoio alimentar organizado pelo Programa Alimentar Mundial (PAM), com milhares de toneladas a chegarem a Moçambique, equipas médicas especializadas, a reposição de alguma capacidade de comunicação, mais helicópteros a largar apoio de emergência, são parte de uma estrutura que começa a ganhar efectiva capacidade de resolver problemas.
Isto, quando o tempo começa a escassear para uma resposta às pessoas onde ainda não chegou qualquer ajuda e que o ministro do Ambiente e da terra, Celso Correia, em conferência de imprensa, definiu como uma "corrida contra o tempo" para significar que a vida de muitas das pessoas que subsistem nos telhados e nas árvores pode estar por um fio.
"A nossa maior luta é contra o relógio", disse o governante na quarta-feira, na conferência de imprensa onde garantiu que todos os meios disponíveis no país estão colocados no esforço de salvar pessoas, 24 sobre 24 horas, tendo já sido resgatadas mais de três mil pessoas.
Para já foram contabilizadas 220 mortes, embora seja de esperar bastantes mais á medida que corpos são encontrados com o baixar das águas e com a chegada das equipas aos sítios mais distantes.
E ainda porque, como lembrou um dos responsáveis do PAM, "ainda ninguém sabe ao certo quantas pessoas estão por socorrer" na vasta região afectada que é, ao mesmo tempo, uma das áreas mais densamente povoadas de Moçambique, com a cidade da Beira, a 4ª maior do país, no centro desta geografia trágica onde as pessoas, apesar de estarem habituadas a estes fenómenos climatéricos - Moçambique é um dos países do mundo mais expostos aos efeitos das alterações climáticas - nunca tinham visto nada com estas dimensões e força destruidora.
Muitas das pessoas penduradas em árvores têm de, para além de lutar contra a fome e a sede, lidar com cobras, algumas venenosas, que buscam igualmente segurança nos mesmos locais, enquanto não são recolhidas por helicópteros ou em embarcações das equipas de socorro.
Uma das descrições mais dramáticas foi feita ao The Guardian por Travis Trower, da ONG sul-africana "Rescue South Africa", que afirmou nunca ter visto água subir tão depressa, tanta gente em cima de árvores e de telhados, mães com os filhos nos braços a atirá-los para os nossos braços em desespero.
"Quando atravessamos uma vila deparamo-nos com centenas de pessoas em cima de telhados e em cima de árvores, no dia seguinte, essa mesma localidade tinha desaparecido completamente, apenas o topo das árvores eram visíveis", descreveu Trower, ficando por responder à dramática questão: onde estão aquelas pessoas todas?
"Há uma imensa urgência para chegar às pessoas. Tendo em conta o tamanho do lago formado pelas cheias, como se vê nas imagens de satélite, temos de nos questionar para onde foram todas as pessoas que habitavam nesta área agora submersa sob metros de água?", disse ainda o sul-africano.
Para já, enquanto reforços oriundos de vários países e de organizações internacionais vão chegando, as equipas já no local criaram dezenas de centros de acolhimento em escolas e outras instalações públicas até que sejam escolhidos os locais para erguer campos mais extensos para acolher as dezenas de milhares de pessoas que ficaram sem nada e que vão precisar de absolutamente tudo.
As Nações Unidas precisam, só para a ajuda de emergência nas áreas mais afectadas, 40 milhões de dólares
O ciclone Idai atingiu com grande intensidade as províncias de Manica e Sofala, em Moçambique, mas provou também fortes estragos no Zimbabué e Malawi.
Entretanto, de acordo com o PAM, a passagem do ciclone pelos três países, Moçambique, Zimbabué e Malawi, cerca de 3 milhões de pessoas foram afectadas.
No Zimbabué a situação é particularmente difícil no distrito de Chimanimani, no este do país, onde 90% da região sofreu "danos significativos" e o país carece de cinco milhões de dólares para financiar a ajuda alimentar de urgência à população mais afectada, e no Maláui a resposta rápida exige doações na ordem dos 10 milhões de dólares.