Na última semana, Volodymyr Zelensky tem, com poucas nuances, insistido nos seus vídeos quase diários no tema da falta de armas para poder resistir aos avanços russos, especificamente sistemas de defesa antiaérea e unidades de artilharia.

E, na sua mais recente aparição, que já não gera a comoção geral no ocidente como noutros tempos deste conflito, que caminha para o seu terceiro ano, o líder do regime ucraniano garante que se os amigos americanos lhe derem as armas que estão em dívida, ganha a guerra.

Com avanços robustos diários, as forças russas estão a integrar nos seus domínios cada vez mais cidades importantes do leste da Ucrânia, que, ressalve-se, para os russos são já áreas do seu território porque se trata de províncias anexadas no ano passado.

Com efeito, os grandes avanços russos estão a ser registados nas regiões de Donetsk e Zaporizhia, que foram anexadas, após referendos que a comunidade internacional não reconheceu nem reconhece, e que continuam parcialmente "ocupadas" pelas forças de Kiev.

No entanto, como a maioria dos analistas já admite, incluindo os ocidentais, até ao Verão as forças do Kremlin poderão estar já na posse da totalidade dos territórios destas duas províncias e com a de Kherson em vias de levar o mesmo caminho.

E a situação é de tal modo má para a Ucrânia que o Presidente Zelensky acaba de anular, por sua iniciativa com a aprovação no Parlamento, do decreto que tinha exarado no sentido de desmobilizar dezenas de milhares de militares que estão a combater desde o início da invasão.

E este pode ser, como advertem mesmo elementos próximos do regime ucraniano, o ponto de viragem mais relevante no apoio da sociedade a esta guerra, que já fez, segundo as várias fontes minimamente credíveis, entre 300 a 450 mil mortos nas fileiras ucranianas e igual número de feridos ou desertores.

A ideia, depois de persistentes manifestações maioritariamente de mulheres a exigir o regresso de maridos e filhos, que foram e são pouco noticiadas nos media ocidentais, era que todos os militares com um mínimo de 36 meses de combates fossem desmobilizados e pudessem regressar para as suas famílias.

Todavia, devido à falhada mobilização geral que foi tentada, com uma crescente fuga de jovens do país para não morrerem na linha da frente e mesmo a criação de unidades locais de resistência à mobilização forçada por unidades especiais do Exército, os comandantes militares, como notícia The Guardian via France-Presse, viram-se obrigados a pressionar Zelensky para reverter o processo legal da desmobilização.

Como seria de esperar, o anúncio do retrocesso nas alíneas da lei de mobilização que permitiria o regresso a casa dos soldados com pelo menos 36 meses de serviço está a gerar uma revolta popular cujas consequências não são ainda cabalmente percebidas.

Para tentar justificar este retrocesso, o porta-voz do ministro da Defesa, coronel Dmitro Lazutkin, explicou que este passo teve de ser dado devido à enorme superioridade das forças russas em toda a extensão da linha da frente que em mais de 1200 kms.

O sentimento geral provocado por esta medida é sintetizado na frase de um soldado de artilharia ucraniano contactado pela agência francesa de notícias, AFP, na frente de batalha, de nome Oleksander, de 46 anos: "É um desastre!".

E explicou porque: "Muitos de nós só mantivemos algum entusiasmo no combate porque sabíamos que em breve estaríamos de volta a casa", sublinhando o óbvio em tom de aviso, que é, "estando obrigados a combater, isso é ser escravo, o que não vai conduzir a nada de bom!".

Igualmente citado pela AFP, outro solado ucraniano, Sergiy Gnezdilov, considera que esta mudança de planos, que obriga todos aqueles que já se sentiam com um pé em casa, a voltar a assentar de novo os dois pés na trincheira, "é uma cruel surpresa!".

À espera da ofensiva russa da Primavera

Porém, esta "surpresa cruel" não surge apenas porque a Ucrânia não está a conseguir mobilizar os 400 a 500 mil cidadãos para combater, como o Presidente Zelensky disse que pretendia, e o CEMGFA, general Oleksandr Syrskyi, reiterou amiúde, ela é uma necessidade face à quase certa grande ofensiva russa que poderá acontecer entre Maio e Junho deste ano.

É que, com a míngua de armas fornecidas pelo ocidente, com os EUA, que eram o seguro de vida para Kiev, a fechar a torneira devido ao impasse no Congresso, que não liberta o pacote de 60 mil milhões USD, a Rússia tem, pela primeira vez, umatotal e absoluto domínio dos céus ucranianos.

Com isso garantido, depois de terem sido destruídos quase todos os sistemas Patriot, dos EUA, e Iris-T, alemães, com custos superiores a mil milhões USD por unidade, os aviões e helicópteros russos cruzam os céus sem qualquer oposição, o que é uma irreversível condição para o colapso da resistência ucraniana.

Além disso, como Zelensky referiu na sua última aparição em vídeo, os russos estão a avançar co sucesso devido ao uso massivo de bombas pesadas, de 250 a 3.000 kgs de explosivos, a maior parte delas antigas mas às quais foi integrado um sistema de orientação por GPS.

Estas bombas, que eram chamadas "burras" mas que agora são "inteligentes", têm uma capacidade de destruição, e a Rússia possui tantas, que não há, actualmente nos arsenais ucranianos, como o Presidente ucraniano lamentou, qualquer forma de lhes resistir porque transformam em destroças quaisquer fortificações militares criadas para suster o avanço russo.

A esperança de Kiev é que os aliados ocidentais voltem a abrir o fluxo ilimitado de armamento sofisticado, especialmente os sistemas de defesa antiaérea Patriot, e a repetidamente anunciada mas ainda por concretizar, chegada dos aviões de guerra F-16, poderá atenuar esta discrepância de forças, mas a generalidade dos analistas defende que dificilmente o cenário será já possível de reverter totalmente.

Numa análise recente do Ministério da Defesa e Conselho Nacional de Segurança da Ucrânia, que sustenta as declarações tensas de Zelensky, as denominados bombas de "largar e esquecer", lançadas pelos caças russos SU-34, são o "abre-latas" de Moscovo nesta guerra.

Isto, porque o seu poder destrutivo é de tal magnitude que os alvos que atingem raramente resistem e, ao serem lançadas a distâncias de 30 a 60 kms, pela aviação russa, não permitem qualquer reacção no actual cenário, onde a defesa de Kiev não tem nem aviões nem sistemas de defesa antiaérea eficientes minimamente.

Além disso, estas armas estão a permitir aos russos outra vantagem, que é poderem, a baixo custo, transformar cidades inteiras em escombros, que depois são ocupadas sem perdas de vidas, como sucedeu na estratégica Avdiivka, há cerca de um mês

Apesar deste cenário de iminente colapso da resistência ucraniana, Volodymyr Zelensky mantém-se firme na vontade de derrotar a Rússia, exigindo para isso que os seus aliados lhe forneçam as armas de que precisa.

Os seus aliados, da União Europeia e dos EUA, a estas excruciantes palavras, e evidente desespero, respondem com um ensurdecer e repetitivo discurso vazio de promessas que já não são cumpridas, anunciando entregas de armas que nunca chegam e dinheiro que não existe (ver links em baixo nesta página).

Um exemplo da situação desesperante da Ucrânia é o pedido de mais de 20 sistemas Patriot (na foto), com custos superiores a mil milhões USD por unidade, além dos custos dos projécteis necessários, sabendo-se que esse é o número, com escassa margem de erro, destes sistemas existentes em todo o mundo.

Além disso, um a um, os seus aliados mais férreos, começam a anunciar publicamente que não vão dispor de mais amas deste tipo para a Ucrânia porque delas carecem para a sua própria defesa, como a Alemanha e a Polónia.

A paz que parece impossível...

... pode chegar em Junho, quando tiver lugar a Conferência Internacional de Paz que está a ser organizada pelo Governo suíço, e que, pela primeira vez, porque nestes mais de dois naos, outras ocorreram, o anfitrião admite que de nada valerá este esforço sem que esteja garantida a presença de Moscovo.

Zelensky já admitiu que não quer ver os russos neste encontro, e os russos, agora claramente por cima no conflito e com a capacidade redobrada de exigir condições, como é normal em situações de guerra, também não se mostram disponíveis para ali estar se as condições de fundo não forem alteradas.

Condições essas que são simples de perceber: para Kiev, todas as regiões ocupadas actualmente pela Rússia, incluindo a Crimeia, são parte integral da soberania ucraniana e os russos devem sair dali para que possam ocorrer quaisquer conversações.

Os russos recordam que Lugansk, Donetsk, Kherson, Zaporizhia, anxadas em 2022, e a Crimeia, integrada na Federação em 2014, são parte inteira do país e essa condição é irreversível, sem espaço para discutir nada sobre esse ponto.

Ou seja, enquanto Zelensky não reduzir as suas exigências, ficará a falar sozinho, ou, como tem sucedido até aqui, com os seus aliados, que, ao que tudo indica, alteraram a fórmula de "apoio incondicional até onde for preciso para derrotar a Rússia" para outra menos densa, que é, como já o disse o Presidente dos EUA, Joe Biden, "até onde for possível".

E com os europeus já exangues com o esforço da guerra e as suas consequências, com a Alemanha e a França a lidar com crises económicas severas, e com os EUA a querer sair do caldeirão escaldante da Ucrânia, nem que seja por razões eleitorais de Biden, é, segundo vários analistas, possível que Washington, Paris e Berlim, apesar da retórica em sentido contrário, estejam já a pressionar Kiev para fazer da conferência na Suíça uma saída para este imbróglio global que já a todos cansa e a ninguém serve...