O Presidente Vladimir Putin veio a público desejar, através da vice-primeira-ministra Tatyana Golkova, a rápida recuperação dos feridos mas nem uma palavra sobre as circunstâncias em que a tragédia ocorreu, porque esse é o mais melindroso dos dados por apurar.
E não é para menos. Apesar de o `estado islâmico" já ter reivindicado o ataque ao Crocus City Hall, uma das maiores áreas de lazer de Moscovo, com os EUA a confirmarem rapidamente esse dado, do Kremlin, que é o que importa, nem uma palavra se ouviu ainda.
Isto, porque não está posta de lado a possibilidade de se ter tratado de uma operação ligada, directa ou indirectamente, ao conflito na Ucrânia, que, para a Rússia, no dia do ataque, deixou de ser uma operação militar especial para ser uma situação de "estado de guerra".
E se essa ligação for estabelecida oficialmente, o que se seguirá na Ucrânia será algo de totalmente diferente do que se tem visto nestes mais de dois anos de guerra, até porque o ex-Presidente Dmitri Medvedev já garantiu, nesse caso, a destruição dos dirigentes ucranianos.
Por detrás das dúvidas, como os bloggers de guerra russos ou pró-russos estão a relatar, está o desenrolar da reconstituição de um dos carros envolvidos no ataque, com pelo menos três elementos, dos seis no total, desde a sua chegada à fuga em direcção à fronteira ucraniana.
Só por si, esse facto não prova nada, mas o mais provável é que esse seja um dos elementos em análise pelas autoridades russas para que ao fim de tanto tempo ainda não tenha havido uma declaração oficial sobre esta matéria pelo Kremlim.
Até porque, nas redes sociais e canais do YouTube ligados ao conflito ucranianos de mais perto, uma das teses que está a emergir é que, nas ligações indirectas à guerra na Ucrânia, não deixa de haver elementos que podem levar a uma reacção agravada em Moscovo.
Seja para desviar o foco de Putin da guerra na Ucrânia para esta nova "frente", por mero aproveitamento da concentração das secretas russas no conflito, abrindo esta janela de oportunidade ao ramo caucasiano do Daesh, ou para desviar o foco das fragilidades de Kiev na frente de guerra...
São várias as possibilidades, das quais também se destaca o facto de grupos radicais chechenos poderem estar por detrás deste ataque, até porque foram naturais desta República do Cáucaso que em 2002 atacaram um teatro em Moscovo, matando mais de 170 pessoas, ainda na sequência da guerra independentista travada com a Rússia anos antes.
E é ainda factual que há unidades de centenas, ou milhares, de combatentes chechenos a lutar ao lado da Ucrânia contra os russos porque a questão da guerra independentista, que só terminou em 2009, com a vitória de Moscovo, ainda não está totalmente digerida.
Existe ainda uma ténue possibilidade de, a confirmar-se a relevância do Daesh neste ataque terrorista, de haver uma ligação ao papel da Rússia, através do Grupo Wagner, na destruição de unidades do `estado islâmico" no Norte de África e no Sahel, ao lado de países da região que, recentemente, se aproximaram de Moscovo e afastaram de Paris.
Mas nenhuma destas hipóteses ainda foi dada como certa pelo Kremlin, mesmo que a reivindicação do grupo jihadista que nas últimas décadas tem revirado o Médio Oriente e o Norte de África seja, para já, a tese de maior credibilidade.
Este episódio de terror em Moscovo, um dos mais brutais de sempre, com 115 mortos confirmados e mais de 120 feridos hospitalizados, tem tudo para gerar uma nova abordagem à questão da segurança interna, porque se Putin já alterou a economia do país para uma economia de guerra, agora pode dar passos ainda mais rugosos, como decretar a Lei Marcial.
Até porque no Kremlin deve ainda estar a reverberar mais que nunca o alerta lançado há duas semanas pela Embaixada dos Estados Unidos em Moscovo para que os cidadãos norte-americanos saíssem de locais com muita gente devido à iminência de ataques terroristas.
O que levou as autoridades russas a pedir a Washington toda a informação que tenha sobre a razão para esse alerta, que foi, de imediato, seguido pelos restantes países ocidentais quase sem excepção, tendo recebido de volta garantias de que os dois momentos não têm qualquer ligação.
Outro dado relevante no que diz respeito ao olhar do mundo para este episódio de terror é que, se todos os países do mundo condenaram o ataque terrorista, entre os aliados directos da Ucrânia a solidariedade foi endereçada às famílias das vítimas enquanto países como a China, Arábia Saudita, Índia, Brasil... juntaram a essas palavras as autoridades russas e o Presidente Putin.
Os detidos vão falar
Apesar de a situação do Crocus City Hall estar, na manhã deste Sábado, 23, mais de 15 horas após o ataque, muito mais calma, com o fogo no edifício dominado e sem as dezenas de helicópteros, ambulâncias e veículos de socorro por perto, o mundo sabe está tudo em brasas no Kremlin.
Que resposta dar a uma situação destas? A quem dirigir essa resposta? Como saber com 100 por cento de certeza que o contra-ataque vai embater nos verdadeiros responsáveis? Como chegar a esses 100% de certeza?, são algumas das questões em cima da mesa do Conselho de Segurança Nacional da Federação Russa que, liderado por Putin, está reunido há largas horas.
No entanto, essas respostas poderão ser dadas em breve, porque, segundo as autoridades de Moscovo foram detidos 11 suspeitos, mesmo que, ao que tudo indica, apenas seis tenham entrado e disparado no interior da sala de espectáculos.
Estas detenções foram feitas um pouco depois do ataque nas horas subsequentes, na operação de busca desencadeada de imediato com milhares de agentes da polícia, militares e das secretas russas, o SVR, externa, e FSB.
O comité de investigação criado para este caso divulgou que foram detidos quatro indivíduos directamente ligados ao ataque já nas proximidades da fronteira ucraniana.
Há mesmo vídeos a circular nas redes sociais que mostram um indivíduo a ser levado para uma viatura das forças de segurança, identificado como um dos autores do massacre do Crocus City Hall, no final do dia de Sexta-feira, 22.
E se não for tudo, como as autoridades ucranianas já vieram acusar, uma montagem de Moscovo para justificar uma escalada na guerra, precisamente no dia em que Dmitri Peskov, porta-voz de Putin passou a designar o conflito como uma "guerra" e não uma "operação militar especial", os indivíduos detidos vão, seguramente, falar em breve.