Desde logo o protocolo do anúncio. Primeiro são as tias mais velhas que depois do choque inicial se erguem dentro dos seus panos enrolados em respeito pela tradição, tal como verdadeiros comandantes, para orientar os procedimentos. O papel da família é destacado pela atribuição de funções. A opinião de todos é escutada. A decisão é tomada em função da opinião da maioria. Ninguém fica de fora. Há um papel específico para cada membro da família e todos participam. Os que tratam da foto, os que compram as flores, os que contactam a funerária, os que tratam da contribuição e os que organizam a cozinha e as compras.

Aos amigos mais chegados cabe a construção do conforto emocional, a agilização da burocracia, o consolo dos filhos. Os jovens fazem os serviços de cerimonial, distribuindo a comida e a água e estão sempre em movimento. Os colegas, os restantes amigos e os vizinhos formam o escudo humano com presença dia e noite impedindo o descontrolo emocional, que o óbito fique entregue a si próprio ou que o ente querido fique desacompanhado. O movimento entre todos é de harmonia, sem atropelos, com carinho, generosidade e fraternidade.

A fé e a religião conferem paz ao acto. Os cânticos de louvor, as orações, os rituais, os abraços de conforto dos irmãos e irmãs da igreja, a sua presença como velas que iluminam a fé dos menos corajosos permitem que a dor colectiva se torne força e aceitação. A palavra que confere paz é cantada "Jesus é o caminho. O resto é desvio" para fortalecer a vida depois da morte. Em silêncio os presentes unem-se na dor. Prometem a si mesmos que não devem desperdiçar a vida que é um sopro. Que a nossa hora chega infalivelmente, por isso o ódio, a inveja, a maldade, a ganância, a mentira e a riqueza não têm poder sobre a morte. O óbito é sempre um momento de intimidade com os medos que adiamos, com a consciência do que somos e com a certeza de como todos, sem excepção, terminamos.

A gestão do óbito devia ser copiada pelo governo angolano como um mecanismo de eficiência, de democracia, de solidariedade, de fraternidade, de construção do bem comum e da felicidade colectiva e sobretudo de respeito pela pessoa humana. Em Angola nunca um morto com família dormiu sozinho no óbito, à excepção do Presidente José Eduardo dos Santos. Mesmo quando a família do morto mora nas chapas, na rua de lama ou na esquina do mato mais abandonado, lá onde não há qualquer capacidade nem de comprar água, ainda assim o morto tem companhia.

Em Angola o morto é o POVO. E este Povo já não são só os mais pobres, aqueles que a sorte está a fintar desde 1975. Está incluída toda a classe média que nestes dois mandatos, tem vindo a engrossar o grupo dos endividados, dos sem alternativa. Nestes mortos estão os agricultores nacionais, sem espaço de manobra para conseguir reverter prejuízos e ao mesmo tempo a terem que lutar contra a injusta importação de bens (que eles produzem) feita pelo governo para "alegrar" a Reserva Alimentar, sem que isso consiga, sequer, ter impacto na manutenção do preço dos produtos da cesta básica. Nestes mortos estão os professores de todos os níveis, os funcionários do judiciário, os médicos e enfermeiros e todos os outros funcionários públicos que para além de ganharem uma miséria ainda têm os salários em atraso sem que ninguém lhes explique como se cozinha "atraso" para alimentar os filhos lá em casa. Estão também os empregados privados com salário desconseguido pela perda de poder de compra e os desempregados que sendo a maioria da população se desenrascam na zunga. Estão os empresários nacionais descapitalizados, sem acesso a nenhum benefício e vítimas da acção predadora da AGT e do desnorte do abandalhamento olímpico do kwanza.

A nossa liderança está descontrolada, desarticulada, desestruturada, sem imaginação e sem competência. Só olha para o seu umbigo, para as suas regalias e para o conforto das suas famílias. É imoral o preço do aluguer do avião presidencial num país que está nos cuidados intensivos e tem todas a máquinas avariadas. E quando a governação corre mal como está a correr agora, não sendo a primeira vez, mas é uma repetição agudizada da falta de sentido das políticas públicas e do despesismo irracional, a liderança não assume qualquer culpa, exonera e nomeia, enfiando a cabeça na areia à espera de um milagre. Para parecer eficiente decide que vai controlar e amordaçar as Associações da Sociedade Civil, o inimigo feroz e causador da instabilidade que o Presidente recebeu no início do seu mandato no Palácio e a quem incumbiu de "continuarem a contribuir com ideias e com a sua opinião sobre o rumo do país".

Por falta de imaginação, de inclusão da ciência e de respeito pelo Povo e pela Lei estamos num barco à deriva, sem ninguém no comando, com um buraco tremendo no casco e sem nenhuma comunicação institucional credível que peça desculpa e explique qual é plano de salvação, sem que seja uma encomenda manhosa para agradar as organizações internacionais ou uma orientação verbal aos novos empossados que são parte da causa do problema para que de repente tirem um novo coelho da cartola. A diversificação não acontece, não depende da vontade militante. A diversificação constrói-se e para isso precisa de peritos, programas estruturados e realistas, concertação, empregados com escolaridade, energia e acesso ao crédito consequente.

Infelizmente o nosso sistema não produziu Líderes. Produziu apenas políticos. Os políticos só se preocupam com as próximas eleições. Os Líderes preocupam-se com as próximas gerações. É este o nosso calcanhar de Aquiles. Sem Líderes jamais teremos um país para todos. Thomas Mann defendia que "a tolerância é um crime quando o que se tolera é a maldade". A estratégia vergonhosa da culpa alheia já não é admissível.

Angola está em fase experimental há 48 anos. Os exemplos que os "filhos do poder popular" têm são perniciosos. Cresceram a acreditar que os seus pais trabalharam para ter fortuna e isso não é verdade. Ao longo da sua vida ninguém lhes explicou que existe uma abismal diferença entre ter dinheiro porque se beneficiou do sistema e ter trabalhado de forma árdua e honesta para o ter. Aqui gatuno é só o desgraçado que rouba uma caixa de óleo, uma botija ou um saco com pontas de frango. Os corruptos, a quem a "luta" não atinge, deviam ser julgados por crimes contra a humanidade porque todos os dias morrem mães por não terem onde parir em segurança, filhos de malária, morreu a Educação e a Saúde nas aldeias e vilas, morreu o "rumo certo", morreu a dignidade do povo. Está a morrer Angola. Declarem o ÓBITO e ajam em conformidade com a eficiência desta instituição. Foi a morte que ensinou o Povo a sobreviver. Aprendam com o Povo. O POVO é o CAMINHO. O resto é desvio.