Exponenciados pelo encontro entre os dois principais actores políticos nacionais, esses factos são indubitavelmente passos indispensáveis para o combate à intolerância e desigualdades políticas.
O encontro, o primeiro entre João Lourenço, Presidente da República, e Adalberto Costa Júnior, líder do principal partido na oposição, foi antecedido de outros acontecimentos, nomeadamente a tão aguardada anotação do repetido Congresso da UNITA pelo Tribunal Constitucional e a nomeação do seu líder para o Conselho da República.
A cronologia e as circunstâncias dos acontecimentos indiciam a existência de uma relação entre os factos previamente programados e com o mesmo dominador comum e epicentro.
Depois de vários apelos de diferentes quadrantes da sociedade angolana, dentro do País e na Diáspora, para que os principais actores políticos dialogassem, independentemente das salutares diferenças programáticas, o encontro entre Lourenço e Costa Júnior pode ser visto como um bom passo no sentido do desanuviamento da tensão.
Passo bom, mas de per si manifestamente insuficiente para a tão almejada democratização e consequente desenvolvimento do País. Não bastam encontros, se eles não servirem para aniquilar a intolerância e combater a discriminação e exclusão políticas, sociais, económicas e culturais.
Os citados acontecimentos, elogiados por vários quadrantes, vão ao encontro de desejos de grande parte da sociedade civil, com destaque para o sector eclesiástico, nomeadamente a Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), que incessantemente tem apelado para que os políticos coloquem os interesses nacionais acima dos seus próprios egos e ambições políticas.
De lembrar o forte apelo da CEAST à "verdade, justiça e transparência" na preparação e realização das eleições gerais de Agosto, quando, em Fevereiro, criticou abertamente o controlo da comunicação social pelo Governo e pediu protecção das crianças que enfrentam a pobreza e a violência.
Se é verdade que não se constrói uma democracia sem distensão, sem que os agentes políticos sejam tratados como iguais, mesmo quando existe acentuada discordância programática, não é menos verdade que, nas ditaduras e autocracias, encontros desta natureza servem apenas para mascarar o regime.
Com os hercúleos problemas que Angola enfrenta, nomeadamente a seca, a fome, a pobreza extrema e a falta de escola para vários milhões de crianças, não basta realizar encontros para ficar bem na fotografia e transmitir, sobretudo externamente, a ideia de tolerância e espírito democrático.
Se o diálogo não impedir que o radicalismo continue a capturar os instrumentos de controlo do exercício do poder, designadamente os meios de comunicação social, o Parlamento, a Justiça e organizações da sociedade civil, de pouco servirão cimeiras do género.
É necessário que o diálogo, cimento de qualquer grupo social, de sociedades abrangentes, seja inclusivo, prioritário e permanente e sirva para desarmar extremismo que espreitam de todos os lados, num país onde já reina a lei do mais forte ou salve-se quem puder.
Serão de pouca valia essas cimeiras se elas não servirem de pequenos primeiros pequenos passos no caminho da demolição do monstro da autocracia.
Serão apenas propaganda rasca, com intervenientes do mais alto nível político nacional, se as organizações persistirem no caminho da intolerância política do aniquilamento do outro, inclusive fisicamente.
O diálogo não pode ter o objectivo encaputado ou velado de aplicar um "KO que não permita à oposição levantar-se durante muitos anos", porque, sem oposição forte, estruturada e equilíbrios de poder, a democracia é uma miragem.
É preciso que tais reuniões tenham no horizonte uma sociedade onde a tolerância é norma e a intolerância constitua excepção, firmemente condenada e sancionada pelos líderes, quer preventivamente, quer a posteriori, independentemente das cores políticas dos seus praticantes.
Não vale a pena realizar encontros se, no entanto, as forças políticas persistirem no armamento e mobilização de brigadas digitais que têm a missão de praticar terrorismo mediático e cujo modus operandi assenta no assassínio de carácter, na mentira, na trapaça e em comportamentos sem quaisquer escrúpulos e destruidores da ética republicana.
Pouco adianta realizar cimeiras entre figuras políticas de proa, se tais encontros não tiverem por base uma agenda de paz, democracia e construção do futuro contra o entrincheiramento de uns e a ghetização de outros.
Não basta realizar cimeiras políticas quando o País contínua sujeito ao leviano e pirómano comportamento da comunicação social pública e estatizada, autênticos beligerantes concentrados na destruição de uma das partes desses encontros.
Só a democracia pode evitar os degradantes espectáculos oferecidos por esses media, em horário nobre, e protagonizado por figuras patéticas, eivadas de ódio por quem não pactue com as suas verborreias.
A distensão passa também por apostar numa comunicação social isenta que dê igual tratamento aos actores políticos e sociedade civil, que não escamoteie as mazelas do país com monocórdicos programas, a lembrar a parte norte da península coreana.
Passa ainda por deixar que o jornalismo se faça livremente sem ter em conta a titularidade dos órgãos, sem "ordens superiores" e sem quaisquer outras amarras para lá do cumprimento escrupuloso da ética e deontologia que encerram a profissão.
Será de todo desaconselhável realizar cimeiras como forma de capitulação ou aniquilamento do outro, enquanto se apresentam tais encontros como resultante da generosidade, magnanimidade ou altruísmo dos actores políticos envolvidos.
"Este tipo de encontros devia estar plasmado na Constituição da República como uma obrigação do Chefe de Estado com o seguinte argumento: a necessidade de o principal líder da oposição estar a par dos assuntos relacionados com a construção do Estado", como defendia, há dias, Manuel Matola, intelectual moçambicano radicado em Portugal, mas muito informado e atento às realidades africanas.
Porque é preciso dar passos sérios para que se efective a República, onde Estado não se confunde com agremiações políticas, bem como precaver o futuro das relações entre o cidadão, detentor dos seus direitos e deveres, e o Estado.
Estes encontros só serão úteis se eles conseguirem incutir nos servidores políticos a ideia de que "o Povo é o seu Patrão", como costuma dizer o Presidente Filipe Nyusi de Moçambique.
Porque nenhum político muda radicalmente de comportamento de noite para dia e porque aparentes boas medidas políticas isoladas comportam mais perigos do que soluções e ainda porque as mudanças políticas mais do que um acto consubstanciam um processo, como a História dos últimos cinco anos comprova, de pouco servem os encontros quando se faz ouvidos de mercador para as questões de liberdade e de direitos humanos.
Afigura-se de pouca valia fazer cimeiras, se a dimensão de um partido continuar indexada ao número de militantes de outras organizações que consegue aliciar, subornar ou corromper, como se o objectivo fosse voltar a criar uma sociedade de um partido só.
É preciso dar passos para a transformação dos partidos de poder em partidos de quadros e de eleitores, porque em democracia as formações políticas de Poder têm mais eleitores do que militantes, diferente da originalidade angolana onde os grandes partidos têm um score eleitoral inferior à metade dos militantes que constam das suas bases de dados.
Não basta realizar encontros é necessário que eles sirvam também para reverter a fraude política engenhosamente construída no simulacro de regime democrático que é apresentada à opinião publica interna e externa.
Não basta também realizar encontros sob pressão de qualquer instituição ou actor político internacionais, é necessário que a genuinidade seja por Angola e pelos angolanos que devem ser o primeiro e principal destinatário dessas reuniões.
Em Icolo e Bengo, diz-se "Koso uandala kuia ku polo, tala hanji mu dima" (para seguires em frente, olhe antes atrás). Olhar para o passado que conduziu o País a actual encruzilhada e "corrigir o que está mal", deve ser o objectivo destas medidas.