Para esse facto histórico e para que o mundo atingisse a cifra de 26,7% de mulheres parlamentares, muito contribuíram as quotas estabelecidas por alguns países, no âmbito da Agenda 2030 da ONU que insta os estados membros a adoptarem medidas para o alcance da paridade de género nos lugares de tomada de decisão.
Esses sinais de mudança no caminho para a paridade de género são também visíveis em África, nomeadamente a Sul do Sahara, onde a taxa de mulheres nos parlamentos é hoje de 26,5%, muito acima dos 9,8% de há quase 30 anos, de 1995, ano da adopção da "Plataforma de Acção de Pequim".
Na declaração acima referida, documento final da IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre as Mulheres, os governos signatários "comprometem-se explicitamente a pôr em prática a Plataforma de Acção de Pequim de modo a garantir que a perspectiva de igualdade entre mulheres e homens será reflectida em todas as suas políticas e seus programas."
No continente africano, em matéria de países, destaca-se o Rwanda com a maior percentagem de mulheres parlamentares do Mundo, 61%, enquanto em termos regionais sobressai a África Austral, actualmente com cerca de 26% de deputadas, representando um crescimento de 3% em relação a 2019.
Esta subida na região da SADC deve-se muito à África do Sul com 45,8%, Namíbia 44% e Moçambique 43%, países que em 2019 já ocupavam as três primeiras posições do ranking regional.
De realçar que Moçambique, liderado por Filipe Nyusi e a África do Sul, de Cyril Ramaphosa, destacam-se ainda pela paridade de género a nível governamental (igual número de ministras e ministros). Na África do Sul, é de sublinhar também que há mais mulheres (55%) que homens com registo eleitoral.
De acordo com a UIP, nos países que adoptaram quotas, os parlamentos têm pelo menos 30 por cento de mulheres, o que mostra a importância dessa medida política para o combate às desigualdades.
Em Angola, tal como em 2017, as eleições gerais de 2022 confirmaram que quanto mais longe do poder está uma formação política, também mais longe estão as mulheres nas suas listas de candidatos à deputados, ou seja, a secundarização das mulheres é maior na oposição que no partido no Poder.
Apesar de o MPLA, partido maioritário com 51% do total de assentos da Assembleia Nacional, ter 56,5% de mulheres na sua bancada, o parlamento angolano tem apenas 38,6% de deputadas, porque do lado do segundo partido, a UNITA, há somente 14 mulheres (15,6%) entre os seus 90 parlamentares, ficando muito aquém das recomendações da SADC.
Enquanto o MPLA elaborou uma lista paritária, constituída pelo modelo zebra (um homem seguido de uma mulher, colocados alternadamente) e com mulheres nos segundo, terceiro e quarto lugares, a UNITA tinha poucas mulheres em lugares elegíveis e a primeira aparecia apenas na terceira posição.
O Galo Negro, no quadro da informal Frente Patriótica Unida (FPU), preferiu colocar em segundo lugar o mais mediático dissidente da UNITA, Abel Chivukuvuku, um político hábil e ambicioso, de eloquência discursiva e com grande apetência para líder.
Esse regresso de Chivukuvuku, que liderou a CASA-CE, uma formação de oposição à própria UNITA e tentou, sem sucesso, outro projecto nesse sentido (Pra Já Servir Angola), retirou ao principal partido da oposição a possibilidade de apresentar uma mulher como candidata à vice-presidente do País e uma lista com mais e melhor representatividade do feminino.
Será que se Chivukuvuku aceitasse ser terceiro, quarto ou quinto da lista, os seus afoitos adeptos deixariam de votar na lista de que fazia parte?
Numa altura em que as recomendações e decisões da SADC, da União Africana, no âmbito da Agenda 2063 e das Nações Unidas, vão no sentido da defesa da paridade nos lugares de tomada de decisão, seria de esperar outro exemplo de quem quer chegar ao Poder.
O preço da unidade da oposição para tentar derrubar o MPLA é/foi, mais uma vez, o sacrifício da luta pela igualdade e equidade de género, como elemento essencial para a construção da democracia e "chave para o desenvolvimento sustentável da região", como defende a SADC.
Depois de há dois anos, a UNITA ter seguido a peugadas do MPLA, ao eleger uma mulher, Arlete Chimbinda, para vice-presidente do partido, a natural expectativa criada era que tal passo tivesse seguimento na formação da lista candidata às eleições gerais de 2022.
Com um grupo parlamentar, com quase 85% de homens, o Galo Negro contribui decisivamente para adiar ou atirar para as calendas gregas o sonho da paridade e da igualdade de género. Com essa prática, as mulheres angolanas, a maioria da população, serão sempre politicamente minoritárias.
Num País como Angola, fazer política sem estar centrado no combate a todas as formas de desigualdades, entre as quais a de género, uma das mais gritantes violações dos direitos humanos, significa que a prioridade vai para os interesses pessoais.
E porque a política é por essência o reino da simbologia, os sinais transmitidos pela UNITA com esse seu gesto vão no sentido da estagnação e de que vale tudo para conquistar o Poder, até abraçar arcaísmos.
A mudança de políticas, tão ansiada por grande parte da sociedade, mais do que a alteração dos protagonistas políticos, passa pela alteração do actual e esgotado modelo político e sua substituição por outro assente no combate ao principal cancro da sociedade angolana, as desigualdades.
O longo caminho para a mudança só será sólido se, a par da separação, descentralização e limitação de poderes, incluir a luta contra as desigualdades como premissa para o combate à pobreza, corrupção e miséria que enfermam a vida política, social e económica de Angola.
Tal como a nível parlamentar, também em termos de Executivo, Angola com cerca de 33% de mulheres ministras, está muito longe dos campeões africanos (África do Sul e Moçambique), confirmando, deste modo, que com o actual modelo político será difícil o País competir com os líderes regionais.
Na terra de Njinga Mbandi, Lueji, Kimpa Vita, Deolinda Rodrigues, Ka Ndimba, e tantas outras mulheres que são o farol da angolanidade, continuar a optar pela secundarização das mulheres é demonstrativo da décalage entre o discurso e a prática.
A paridade, para além de igual número de homens e mulheres em listas eleitorais e órgãos de tomada decisão política e na gestão do serviço público, passa por dar destaque igual a homens e mulheres em espaços de Poder.
Contudo, sendo a paridade importante para a representatividade e um dos instrumentos para a conquista da igualdade, por si só, é insuficiente para se atingir a tão almejada igualdade de género.
De que igualdade de género se fala quando as mulheres nesses espaços de Poder, transformadas em bibelot politico, pouco mais são do que reprodutoras do discurso machista do chefe-homem, retrógrado e muitas vezes misógino?
Que igualdade se pode alcançar com mulheres que subjugadas e encarceradas pelas desiguais relações de poder, são forçadas a normalizar a violação dos direitos humanos das mulheres e outras chagas que atingem particularmente o feminino, nomeadamente a zunga, a prostituição ou a violência no namoro?
Como contar com mulheres que, como guardiãs partidárias, são incapazes de opinar sobre o aborto, a violência de género, de denunciar e condenar colegas-homens do seu partido que batem e violam mulheres, que legitimam o "direito" de bater na mulher, políticos pedófilos e que fogem à paternidade?
Ou políticas sem opinião sobre direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, no País em que somente 62% das mulheres têm autonomia para tomar decisões sobre o seu corpo, segundo o Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP)?
Contribuirão para a igualdade de género, mulheres que fecham os olhos e silenciam a violência obstétrica sobre grávidas, que ignoram a discriminação salarial em função do género e que se mantêm em silêncio perante o crescimento da prostituição infantil, resultado da pobreza e da falta de escola para mais de quatro milhões de crianças?
No Rwanda, do parlamento mais feminino do Mundo, as concorrentes a deputadas, escolhidas pelo Presidente Paul Kagame, não têm liberdade para se candidatar à Presidência do País, um exemplo da falta de liberdade de género.
Por outro lado, no Senegal, a segunda maior percentagem continental de mulheres no parlamento (46%), apenas 7% das mulheres têm autonomia corporal, o que significa que a assinalável quantidade de género alcançada entre os deputados afigura-se manifestamente insuficiente para políticas de igualdade de género.
Mais do que a quantidade de género, geralmente adoptada para fazer boa figura junto de organismos internacionais, é preciso libertar as mulheres do patriarcado político que desenvolve esse apartheid de género, opressor e repressor da maioria.
Os dados de regimes autoritários provam que, sendo importante para a representatividade e como um dos instrumentos para o caminho para a igualdade, sem liberdade, a igualdade de género será sempre uma miragem.