António Costa entende que as três vezes em que esteve com João Lourenço desde que este assumiu o cargo de Presidente da República, há um ano, foram o bastante para construir "uma relação de grande confiança", apesar de dois dos encontros referidos pelo governante português terem decorrido quando ainda não tinha sido expurgado o problema que estava a irritar as relações entre os dois países e que terminou com o envio do processo que envolve o ex-Vice-presidente da justiça portuguesa para os tribunais angolanos.
"Aguardo esse encontro com uma grande expectativa", disse Costa aos jornalistas que o acompanham nesta sua visita a Angola - esse momento terá lugar às 11:00 -, sublinhado que conheceu João Lourenço quando este ainda não era Presidente mas que, neste ano, desde que assumiu a Presidência, teve "a oportunidade de estar três vezes" com o Chefe de Estado, o que permitiu construir "uma relação de grande confiança".
Ainda no mesmo momento, o chefe do Governo de Lisboa atirou com certeza a convicção de que já nada existe a obstaculizar o retorno das relações de excelência entre Lisboa e Luanda porque o tal "irritante" na justiça lusa já está "totalmente ultrapassado".
Alias, para António Costa, todo este período difícil, onde, entre outros momentos de tensão dispersos pelos últimos três anos, ocorreu o adiamento sine die da sua própria visita a Angola no início de 2017, antecedida do cancelamento em cima da hora da visita da ministra da Justiça portuguesa, Francisca Van-Dúnen a Luanda, foi parte dos alicerces sobre os quais Luanda e Lisboa estão a assentar o edifício da "confiança mútua" reforçada.
O primeiro-ministro português teve o cuidado de lembrar que estava a citar o ministro angolano das Relações Exteriores, Manuel Augusto depois deste lhe ter dito que "há males que vêm por bem".
Concentração no futuro
Agora, defende o governante português, é tempo de os dois países de concentrarem no futuro e que as gerações que hoje mandam de um lado e do outro têm a responsabilidade de se centrarem na construção desse futuro, correspondendo "à sua responsabilidade", quase a citar o Presidente português Marcelo Rebelo de Sousa quando este, em Angola, onde esteve na tomada de posse do seu homólogo angolano, defendeu, em plena crise diplomática, que os Governos têm a responsabilidade de cumprir a vontade dos seus povos e que os povos angolano e português expressam diariamente a vontade de estarem bem um com o outro, porque existem laços de sangue, culturais e económicos "muito intensos".
E a seta a apontar para esse tal futuro de confiança mútua, lembrou Costa, é, o que vai acontecer hoje, "a assinatura do Acordo Estratégico de Cooperação bem como de um conjunto de acordos importantes na área económica para reforçar a confiança" bem como será fechada a discussão sobre o fim da dupla tributação - o que vai impedir as empresas de terem de pagar impostos em duplicado e nos dois países - e um acordo para o aumento de 1000 para 1 500 milhões de euros da linha de crédito às exportações portuguesas para Angola.
Pelo meio vai aparecer ainda um novo acordo aéreo que aumentará as ligações aéreas entre Angola e Portugal, o que, no global, são tudo argumentos que levaram António Costa a erguer como estandarte para esta visita a ideia de que os angolanos e os portugueses têm no "software" das suas relações uma espécie de "fire Wall" contra as crises.
Os dois povos, sublinhou, superaram os testes das crises económicas dos últimos anos porque nunca viraram as costas uns aos outros, apesar de saber, admitir, que as relações entre povos, entre países, como aqueles entre pessoas, não são lineares, não fluem em linha recta, têm altos e baixos, flutuações e mudanças ao longo dos tempos, como foi claramente o caso entre Lisboa e Luanda.
Perante alguns portugueses que vivem em Luanda, Costa, na segunda-feira à noite, lembrou que muitos desses portugueses estão em Angola há vários anos e não deixaram de ser afectados pela crise provocada pela queda do petróleo em 2014, mas essa crise não destruiu a "grande ponte entre Portugal e Angola" que é "uma enorme segurança para todos" ao permitir ter sempre "um novo espaço de oportunidades".
"Nos últimos anos passámos o teste. Nos momentos difíceis que Portugal passou, Angola não nos virou as costas. E em todos os momentos difíceis de Angola, Portugal não virou as costas a Angola", disse.
Recado do "Ti Celito" a partir de Lisboa
Entretanto, a partir de Lisboa o Chefe de Estado português mandou um pequeno recado para Luanda, lembrando que a economia é importante, mas não é tudo.
Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, numa declaração que atravessou o Atlântico rapidamente nas tv"s, é importante ter investimentos angolanos em Portugal e portugueses em Angola, muito importante ter cidadãos angolanos em Portugal e vice-versa... mas apontou como ainda mais decisivo para o futuro a questão da Educação, deixando em aberto a possibilidade de este assunto poder ter desenvolvimentos em breve,
Até porque, há vários anos, pelo menos desde 2008, que está por cumprir um acordo assinado entre os ministérios da Educação dos dois países no sentido de Portugal colocar cerca de duas centenas de professores em Angola ao abriga dos protocolos existentes e que, agora, poderão ser reforçados.
Marcelo, que alguns analistas entendem ter tido um papel decisivo na forma como os dois países ultrapassaram o "irritante" Manuel Vicente, tem insistido na importância da recuperação do tom certo no relacionamento entre Lisboa e Luanda.
E um dos passos importantes que deu foi, aquando da sua estadia em Luanda para a tomada de posse de João Lourenço, apesar deste ter mantido o nome de Portugal das prioridades de Angola no relacionamento externo - vigorava ainda o problema do ex-Vice-presidente na justiça portuguesa - ter apostado no seu relacionamento de proximidade com os cidadãos que encontrou na rua, tido ido tomar banho à Ilha do Cabo , ter falado com as pessoas nas ruas...
O que lhe valeu um baptismo nas redes sociais, que se encheram com as suas fotografias, como "Ti Celito", quase sempre em tom elogioso.
E não é escondido por nenhuma das partes que a forma como Lourenço e Marcelo se ligam mostra que a máquina está... oleada.
Mas, como tem sido sublinhado por analistas angolanos, o que a história tem mostrado é que, devido à particular intensidade das relações entre Lisboa e Luanda, nos momentos altos, como parece ser o que agora se está a iniciar, marca-se o início do caminho até à próxima crise.