Angola e a Venezuela são as duas grandes vítimas, mesmo que o objectivo não fosse esse, das políticas da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), à qual Angola aderiu em 2007, especialmente devido à sua política, determinada pela Arábia Saudita, de "extrair à vontade e em força" nos meses anteriores à crise de 2014.
Se Riade optou por esta política de "pump at will" para lidar com o agigantar da produção do petróleo de xisto, ou "fracking" norte-americano, para cuja indústria só faz sentido se o barril estiver acima dos 65/70 USD, devido ao seu elevado "breakeven", a verdade é que, no médio e longo termo, como agora se está a verificar, entre as vítimas desta estratégia está Angola... e em lugar de destaque.
Apesar de um relatório publicado esta semana pela OPEP avançar um aumento da produção angolana entre Janeiro e Fevereiro na ordem dos 17 mil barris por dia, chegando aos 1 613 milhões de barris por dia (mbpd) no mês passado, a verdade é que, no médio e longo prazo, o país vai sofrer severas consequências dos vários anos a fio de preços baixos ou moderados, dos quais está agora a tentar sair com a baixa de produção acordada entre o "cartel" e a Rússia em finais de 2016, na ordem dos 1,8 mbpd, incluindo os 78 mil que couberam a Angola.
Isto, porque, se, e como sublinha numa análise, a Bloomberg, o então ministro saudita dos Petróleos Ali Al-Naimi, afirmou de forma peremptória em 2016, que encharcar o mercado de crude iria levar o petróleo de xisto, "fracking", norte-americano a ter de se adaptar ou a falir, a verdade é que o "tiro" poderá ter falhado o alvo e acertado em cheio em Angola, mas também na Venezuela, dois dos países com a produção por barril mais cara da OPEP.
Essa consequência resulta de baixos preços significarem menos investimentos em novos blocos e na exploração de novas jazidas, no desinvestimento em meios técnicos e humanos pelas multinacionais a operar em Angola - basta olhar para os céus de Luanda ao final da tarde e comparar as dezenas de helicópteros a ir e vir das plataformas há uns anos e quase nenhuns nos dias actuais -, o que tem como desfecho quase certo uma diminuição de capacidade de produção ou mesmo o atrofiamento do sector se medidas não forem tomadas de urgência, apesar de serem muito custosas.
Alvo falhado, tiro certeiro
Mas o que está efectivamente em causa é que, se por um lado, a grande produção da OPEP pré-2014 afectou o xisto norte-americano, a verdade é que, agora que os preços estão de novo em alta, a indústria do fracking, mais ligeira e rápida a reagir, está de volta ao mercado, enquanto os efeitos colaterais em Angola e na Venezuela, deixaram marcas profundas e de difícil resposta do sector, devido aos enormes custos que o regresso ao "full power" representam.
Basta ter em conta, quando Angola entrou para a OPEP, em 2007, o objectivo era chegar aos 2 mbpd, fasquia onde nunca chegou, e, agora, 10 anos passados, é impensável conseguir esse objectivo, muito porque se assistiu a uma degradação acentuada das suas condições de produção.
Um especialista na área dos petróleos explicou ao Novo Jornal Online que, só para reactivar integralmente uma plataforma abandonada, ou mesmo semiabandonada, são necessários muitos meses, podendo chegar aos dois anos, porque implica reagrupar todas as condições técnicas e humanas anteriores à crise, o que é "uma monstruosidade logística".
E, segundo algumas estimativas elaboradas, são às dezenas as plataformas que foram suspensas logo que os preços do barril iniciaram a corrida descendente a partir de meados de 2014 e que, apesar de alguns sinais de melhoria, tardam a regressar.
Mas, no Médio Oriente, onde a produção por barril pode chegar a valores inferiores a 10 USD, os sinais de recuperação são mais evidentes, fortes mesmo, com um aumento substancial dos poços em actividade, enquanto em Angola existem sinais de retracção, como é disso exemplo o adiamento do projecto da TOTAL Kaombo Norte e o abandono de Chissonga, ao que tudo indica, de forma definitiva.
E a própria Agência Internacional de Energia (AIE, em inglês) já tornou público um estudo que aponta para que tanto Angola como a Venezuela têm a sua capacidade extractora comprometida e a diminuir longo dos próximos anos, numa clara desvantagem quando comparados com os restantes membros do "cartel", exactamente por causa das políticas da OPEP exaradas por Riade.
A AIE não tem mesmo dúvidas ao afirmar que se vai assistir a uma mudança pujante, nos próximos cinco anos, dos investimentos multinacionais para o Médio Oriente, exactamente por causa da sua produção barata de petróleo, em detrimento directo de Angola e Venezuela, ao mesmo tempo que o petróleo de xisto deverá atingir o pico e iniciar a descida por volta de 2020.
A miragem da década de 1970
Face a este cenário, e se se confirmar, pode-se dar como de extremo sucesso a política saudita, e dos seus aliados no Médio Oriente, porque, em breve, verão o mundo dependente do seu petróleo como não estava desde as décadas de 1960/1970.
E, no final deste processo, Angola, bem como outros países africanos, como a Nigéria, e a Venezuela, serão as grandes vítimas de uma estratégia para a qual contribuíram, ironicamente, consideravelmente nos últimos tempos.
Recorde-se que Angola aceitou diminuir a sua produção em 78 mil barris por dia quando em Novembro de 2016, a OPEP reuniu com a Rússia e mais 11 países em Viena de Áustria, para definir uma estratégia de cortes na produção no valor de 1,8 mbpd como forma de fazer subir os preços que, nesse ano, tinham chegado a número abaixo dos 30 USD.
Este acordo continua em vigor e deverá chegar até finais de 2018, quando a OPEP e a Rússia deverão voltar a analisar a situação e decidir se mantêm os cortes ou voltam ao sistema de "pump at will".
Para já, o barril de Brent, em Londres, que determina o valor das exportações angolanas, está a ser hoje transaccionado a cerca de 64,9 dólares, uma valor muito superior aos 28 a que chegou no início de 2016 e que fez soar as campainhas da OPEP e da Rússia, mas substancialmente abaixo dos 71 dólares a que chegou a estar durante vários dias no início deste ano.