A sentença é citada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ, na sigla em inglês) que esteve na origem do caso que ficou conhecido como "Luanda Leaks" e teve acesso ao documento - ainda não publicado - através do jornal neerlandês NRC.

A decisão foi ditada pela Câmara Empresarial, um departamento especial do Tribunal de Recurso de Amesterdão que concluiu que o dinheiro foi desviado da Sonangol através de sociedades anónimas neerlandesas para beneficiar Isabel dos Santos e o seu marido, Sindika Dokolo, que morreu em 2020, no Dubai, devido a um acidente quando mergulhava.

Isabel dos Santos já avançou que vai recorrer da decisão. A empresária angolana justificou o recurso realçando que o tribunal não analisou "documentos relevantes submetidos pela defesa, documentos estes que poderiam alterar, de forma significativa e substancial, a decisão proferida, demonstrando de forma inequívoca a veracidade material dos factos em questão".

"No recurso serão apresentados estes documentos, demonstrando a verdade e a existência das actas da Sonangol, incluindo as correspondentes e reais deliberações que, por razões que se desconhece, foram ignoradas", frisou Isabel dos Santos numa publicação na rede social Instagram.

A filha do ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos sublinhou ainda que a decisão do tribunal resulta de "uma falta de conhecimento do normal funcionamento empresarial".

A decisão vai ao encontro da investigação do ICIJ e valida um relatório condenatório de um director nomeado pelo tribunal para a Esperaza Holding BV - um veículo usado pela Sonangol para comprar acções na portuguesa Galp. O relatório concluiu que a venda, em 2006, de 40% da Esperaza à Exem Energy BV, uma empresa detida por Sindika Dokolo, tinha resultado de um "acto de corrupção" e deveria ser anulada.

No final de 2006, a Sonangol vendeu 40% das acções que detinha na Esperaza e entregou-as à Exem, empresa cujos beneficiários finais eram Isabel dos Santos, filha do ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos, e o seu marido.

O ICIJ aponta que Isabel dos Santos e os seus parceiros beneficiaram de negócios lucrativos ligados ao petróleo, diamantes, telecomunicações, bancos e imóveis sob o governo de José Eduardo dos Santos, que permaneceu no poder quase 40 anos.

Após o pai ter saído da presidência, cargo assumido pelo seu sucessor João Lourenço, actualmente no segundo mandato, a Sonangol contestou em tribunal a legalidade da aquisição da participação de 40% da Exem na Esperaza, disputa resolvida a favor da Sonangol, em 2022, por uma instância arbitral neerlandesa, que anulou a aquisição por ser "contrária à ordem e aos bons costumes públicos".

Em 15 de novembro de 2017, o recém-eleito Presidente angolano João Lourenço demitiu Isabel dos Santos do cargo de presidente da Sonangol, no âmbito do combate à corrupção que assumiu como bandeira eleitoral. A pedido da Sonangol, em 2020, a Câmara Empresarial ordenou uma investigação dos negócios da Esperaza a partir de 01 de janeiro de 2017.

O tribunal concluiu que a empresária assinou falsas deliberações para canalizar 52,6 milhões de euros em dividendos da Esperaza Holding BV para sua própria empresa e que tentou ocultar essas transferências ilegais, com datas anteriores à demissão.

O tribunal disse que ficou estabelecido que "todas as pessoas que assinaram um ou mais decretos sabiam que estes eram retroactivos" e que os directores da empresa deveriam ter percebido que Isabel dos Santos estava a tentar fazer um pagamento rápido de dividendos, através de resoluções forjadas e retroactivas.

"A decisão é um passo intercalar na longa tentativa da estatal Sonangol para recuperar os milhões roubados", acrescenta o ICIJ.