Com mais de 1,6 milhões de habitantes, Kampala, uma das cidades da África Central com maior índice de sobrepopulação, é vista pela autoridades sanitárias do país e pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um risco suplementar para este surto epidémico.
A primeira infecção foi detectada no centro rural do país a 20 de Setembro e a chegada do vírus à capital, que, apesar de já existirem vacinas eficazes, e as equipas de saúde terem larga experiência na sua contenção, era um cenário temido pelas equipas que procuram conter a sua expansão no terreno porque esta febre hemorrágica, a mais grave conhecida até hoje, tem as áreas sobrepovoadas como o seu território mais fértil devido à forma de transmissão, que é, sobretudo, através de contactos entre infectados e novos portadores.
E o ritmo de contaminação mostra o quão grave pode ser este cenário, visto que só em dois dias já se somam 14 contágios em Kampala.
O surto começou a 20 de Setembro
Entre 20 e 26 de Setembro, a OMS registou 23 mortos suspeitos de relação directa com esta doença, cujo epicentro foi sinalizado na região de Mubende, centro rural do Uganda.
A OMS sublinhava então que este é o primeiro surto epidémico de Ébola no Uganda causado pela estirpe sudanesa do vírus desde 2012.
Foi a 20 de Setembro que as autoridades sanitárias ugandesas deram o alerta para a existência de um surto desta febre hemorrágica, depois de ter sido confirmada a morte de uma pessoa com este vírus, numa aldeia do distrito de Mubende.
O Ébola tem sido responsável por várias epidemias e surtos, especialmente na vizinha República Democrática do Congo (RDC), país onde o vírus foi identificado pela primeira vez, em 1976, na região do Equador, junto à fronteira com a República do Congo, nas margens do Rio Ébola, um efluente do Rio Congo.
A mais grave epidemia ocorreu entre 2013 e 2014, na África Central, com epicentro na Serra Leoa e Libéria, tendo chegado com intensidade à Guiné-Conacri e Nigéria, deixando um rasto de mais de 11 mil mortos e dezenas de milhares de infecções incapacitantes, ao mesmo tempo que centenas de milhares de pessoas fugiam das suas casas, ajudando assim a espalhar o vírus.
Esta situação só foi debelada ao fim de quase 3 anos com a ajuda de uma vacina experimental - que não é eficaz na estirpe sudanesa do vírus do Ébola - que se revelou funcional no controlo da infecção, tendo esta sido igualmente essencial para resolver uma epidemia igualmente grave, a segunda mais grave de sempre, no leste da RDC, em 2018, que durou até 2020, e fez mais de 2 mil mortos e muitos milhares de deslocados.
Desde 1976, ano em que se pensa que o vírus transitou de animais selvagens, através do consumo das suas carnes, como macacos, várias espécies de morcegos, chimpanzés, gorilas, alguns tipos de porco-espinho e várias espécies de antílopes... entre outros mamíferos suspeitos, África já assistiu a cerca de 20 surtos e epidemias de Ébola.
O contágio resulta, na generalidade dos casos, de contacto de proximidade com as pessoas infectadas, especialmente os fluídos corporais de todo o tipo, contribuindo para a acelerada expansão da infecção as tradições africanas de tocar nos cadáveres quando decorrem os óbitos, em sinal de respeito, ou ainda de crendices ancestrais que levam as vítimas a optarem por notificar a doença e procurar ajuda nos centros hospitalares, preferindo recorrer a feiticeiros e curandeiros tradicionais, o que corresponde sem excepção a uma condenação à morte e à dispersão da doença pela comunidade.
Neste caso, onde a doença é provocada pela estirpe sudanesa do vírus, a gravidade é maior devido à sua infecciosidade, sendo a letalidade estimada pela OMS entre os 41% e os 100%, dependendo da forma como é acompanhada a doença.
O período de incubação vai de dois a 21 dias e os primeiros sintomas são semelhantes aos da malária, como dores de cabeça, fadiga, dores musculares, dores de garganta e vómitos, sendo, posteriormente, seguidos de diarreias e sangramento interno e externo.
Actualmente ainda não existe vacina para esta estirpe sudanesa, que recentemente passou a ser designada pela OMS como SVD devido a diferenças substanciais encontradas entre os diversos tipos de Ébola até agora conhecidos.
Esta estirpe é conhecida desde 2012 e só foi, até hoje, responsável por surtos e epidemias no Sudão e no Uganda, países com longas fronteiras comuns.
Riscos regionais
Estre surto está concentrado na região de Muende, que fica a cerca de 140 quilómetros da capital do Uganda, mas as autoridades temem que este se liberte do cerco montado muito por causa da forte densidade populacional ugandesa, uma das maiores em África, contando com 45 milhões de habitantes em apenas 241 kms 2, o que perfaz uma média de quase 230 habitantes por quilómetro quadrado, sendo, em comparação, 26 em Angola e 111 em Portugal.
E a densidade populacional é um dos principais problemas quando se trata de travar um surto epidémico como o ébola (SVD), sendo o Uganda o 9º ppaís africano mais densamente povoado, o 5º se se contar apenas o continente, sem os seus arquipélagos ou ilhas, apenas atrás dos vizinhos Ruanda, Burundi, Gâmbia e da Nigéria.
Um surto deste vírus neste país, que conta ainda com uma problemática fronteira com a RDC - além de com o Ruanda, Quénia, Sudão do Sul e Tanzânia -, onde existem, no leste congolês, milhões de pessoas em campos de refugiados e em permanente fuga a ataques de guerrilhas, e onde o ébola mais se tem manifestado deste que foi detectado no quase meio século que passou desde a sua descoberta.