O que as organizações das Nações Unidas que estão no terreno a combater esta epidemia da mais letal das febres hemorrágicas, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o UNICEF, entre outras, mais temiam, acaba de ser confirmado: o vírus do Ébola conseguiu furar o cordão sanitário e provocar a primeira morre além-fronteiras.
Desde o início desta epidemia que o perigo de chegar aos países vizinhos está em permanência nas possibilidades mais terríveis para a OMS e acaba agora de ser confirmada pela ministra da Saúde ugandesa, Jane Aceng, e a vítima é um menino de cinco anos, sendo os restantes casos confirmados os membros da sua família mais chegada, que, com ele, chegaram há poucos dias ao país oriundos da RDC.
Com este caso confirmado no Uganda, a actual epidemia, que foi anunciada pelo Ministério da Saúde da RDC através de um alerta global a 01 de Agosto de 2018, ganha dimensão internacional e consolida-se claramente como a segunda mais grave de sempre, logo a seguir à que em 2013/14 matou mais de 11 mil pessoas na África Ocidental, deixando de rastos países como a Serra Leoa, Libéria e ainda parte da Guiné-Conacri.
A OMS admite mesmo que esta epidemia, devido às circunstâncias regionais, pode evoluir para a mais devastadora de sempre se o mundo não se organizar e der uma resposta eficaz.
Em causa está o facto de as províncias do Kivu Norte e Ituri, na RDC, onde a epidemia evolui, serem territórios extremamente pobres do ponto de vista social, com subsolos ricos em recursos naturais, desde os diamantes às terras aras e ao muito cobiçado coltão, onde dezenas de guerrilhas, algumas com origem no Ruanda e no Uganda, e milícias, combatem e matam civis pelo controlo do negócio da exploração desses mesmos recursos naturais.
Essas guerrilhas, como o NJOnline tem noticiado ao longo destes meses, para além de ocuparem os territórios mais ricos em diamantes e coltão, atacam ainda as equipas sanitárias internacionais, fragilizando o esquema de controlo sanitário e combate ao vírus, o que levou mesmo algumas ONG e organizações médicas, como os americanos do CDC, a abandonar o território devido à insegurança.
Para já, as autoridades congolesas têm 1.398 mortes confirmadas e mais de 2.000 casos confirmados em laboratório.
Segundo relatam as agências, tanto nas fronteiras do Uganda como do Ruanda, são cada vez mais as pessoas que, já apresentado sintomas, como febre, tentam atravessar a fronteira e são impedidos pelo cordão sanitário instalado.
Os postos fronteiriços entre esta região do Congo e os países vizinhos, Uganda e Ruanda, são dos mais movimentados de África, devido ao registo histórico de conflitos, incluindo o genocídio no Ruanda de 1994, no qual morreram mais de 800 mil tutsis às mãos da maioria Huto, que geraram centenas de campos de refugiados de um e de outro lado das fronteiras, levando as pessoas a estabelecerem-se de forma perene nestes campos e aldeias mas mantendo laços familiares do outro lado da fronteira.
A OMS procura, através da vacinação massiva de populações, travar o avanço do vírus, como, de resto, fez na África Ocidental quando a epidemia de então já estava a alastrar para váreios países, como a Nigéria, e mesmo Estados Unidos e Europa, sendo os portadores membros de equipas médicas internacionais.
Perante este quadro de iminente descontrolo da epidemia e a sua evolução para pandemia, a OMS já anunciou a realização de uma reunião extraordinária para analisar a situação.
O director-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, fez saber, via redes sociais, que a reunião, a ter lugar em Genebra, sede mundial desta agência da ONU, vai analisar a urgência em aumentar a capacidade de resposta.
Eventualmente, como se depreende da sua mensagem, em cima da mesa poderá estar a proposta de catalogar esta epidemia como emergência global, tal como sucedeu em 2013 na Libéria e Serra Leoa, o que vai permitir aumentar consideravelmente os meios técnicos e financeiros para lidar com o problema.
Dificuldades e mais dificuldades
Nunca como agora foi tão difícil aos organismos internacionais como a Organização Mundial de Saúde (OMS), entre outros que estão no terreno, combater este vírus que até agora estava confinado às províncias de Ituri e Kivu Norte.
E isso, porque dezenas de milícias e guerrilhas organizadas, algumas delas com origem nos países vizinhos, como a Aliança das Forças Democráticas (ADF), ugandesa, não têm dado descanso nem às populações locais nem às equipas sanitárias que, no terreno, procuram criar um sistema eficaz de controlo e combate à doença, como é disso prova as várias mortes já registadas entre as equipas médicas locais e internacionais.
Esta é a 10ª registada desde que o vírus do Ébola foi confirmado em humanos, decorria o ano de 1976, também na RDC, sendo a 2ª mais letal registada até hoje, a seguir à de 2013, na África Ocidental, que fez mais de 11 mil mortos.
O alerta foi lançado pelo ministério da Saúde congolês a 01 de Agosto de 2018 e tem tido uma progressão exponencial, porque só no último mês o número de caso registado e conformado laboratorialmente é superior aos identificados nos primeiros seis meses, muito porque as dificuldades de combate ao vírus crescem à medida que as populações locais mostram não querer a presença dos médicos internacionais a quem acusam de ter levado a doença para a região, convencidos disso mesmo por feiticeiros locais e lideres de grupos armados que no Kivu Norte exploram os recursos naturais.
Um dos problemas mais graves, segundo a OMS, é que as pessoas que têm sintomas da doença estão a ir em grande número para as suas aldeias em busca de tratamento tradicional porque não têm conhecimento de que os hospitais de campanha estejam a conseguir salvar quem ali entra doente, contribuindo assim para a forte progressão da maleita que é altamente contagiosa através do contacto com fluídos corporais das vítimas.
A tradição ancestral de contacto, por respeito, com o cadáver dos falecidos é um dos motivos mais enfatizados para o avanço da epidemia.
A RDC tem fronteira com nove países, um deles é Angola, com quem partlha a mais extensa fronteira, mais de 2.000 km"s, mas a nore e leste estão, para além do Uganda e Ruanda, países em constante sobressalto e conflitos, como a República Centro-Africana e o Sudão do Sul, onde seria, devido à ausência quase total de resposta sanitária, muito mais difícil estancar uma epidemia se ali chegasse o vírus oriundo da RDC.