Começando pelo equipamento diferenciado dos demais colegas, os guarda-redes despertam o fascínio dos amantes da bola e simbolizam algo de mítico. A sua posição é especial e única no rectângulo de jogo. Dos onze jogadores que entram em campo numa equipa (time) no início dos noventa minutos, ele é o único que tem permissão de jogar a bola com as mãos, mas apenas dentro da sua área restritiva. Se outro jogador o fizer, a equipa é punida com a marcação de um pontapé sem qualquer barreira, a onze metros da linha de golo, onde apenas está ele... O "goleiro".

Muitos guarda-redes conseguem fazer assistências directas para os marcadores de golos, pois, já lá vai o tempo em que eles ficavam especados no meio da baliza, a espera da fuzilaria adversária. Os mais arrojados vão para a "cancha" transportar o jogo para a frente e ainda marcam golos de antologia, principalmente em penaltis e em lances resultantes de cobranças de falta nos arredores da área onde está baseado o seu homólogo.

A história do futebol nos brindou com uma série de guarda-redes excepcionais que deixaram a marca bem vincada na modalidade. Dentre eles, destacamos a figura lendária do soviético Lev Yashin, conhecido como a "Aranha Negra", que revolucionou a posição de guarda-redes com suas defesas acrobáticas e uma presença imponente em campo. Yashin foi o único "goleiro" a receber o prémio de Jogador Europeu do Ano em 1963, um feito notável para um jogador da sua posição.

Outro nome icónico é o do italiano Dino Zoff, que se destacou pela consistência do seu jogo e liderança perspicaz. Além disso, figuras como, Rinat Dasaev, Thomas Nkono, Gianluigi Buffon e Iker Casillas também deixaram uma marca indelével no mundo do futebol.
Há ainda registo de uma série de episódios inusitados a envolver guarda-redes que se tornaram memoráveis na história do futebol, pela sua peculiar extravagância. Um exemplo é o famoso golo marcado pelo paraguaio José Luis Chilavert, que não era apenas um talentoso defensor da baliza, mas também um exímio cobrador de faltas e penaltis. Chilavert marcou mais de 60 golos em toda a carreira, sendo um dos poucos guarda-redes a alcançar tal feito.

Outro episódio curioso ocorreu em 2007, quando o colombiano René Higuita realizou uma arriscada defesa conhecida como "escorpião", na qual ele saltou para frente e usou as pernas para segurar a bola por trás da cabeça. Esse movimento ousado e inusitado surpreendeu a todos e se tornou um momento icónico no mundo do futebol.

Em Angola, ao longo dos tempos, também tivemos guarda-redes excepcionais. Mas, com toda a justiça, o melhor de todos foi Valongo, nascido em 1931, segundo o testemunhos de futebolistas renomados que o viram jogar.

Contam que num certo domingo, durante um jogo renhido, o árbitro assinalou um penalti contra a sua baliza. O batedor da falta era nada mais nada menos do que o temível Matateu, detentor do remate mais portentoso que alguma vez se vira em Angola, naquele tempo das chuteiras de traves. O "placard" acusava 0-0. Repentinamente, o jogo esquentou. Com o penalti assinalado contra a baliza do "keeper" Valongo, o cenário prometia espectáculo.

Nas bancadas, o público estava expectante e aproveitava o momento de pausa para esticar as pernas por causa das câimbras. Enquanto isso, os deserdados se aboletavam na zona do peão, debaixo da sombra de frondosas acácias. O Matateu colocou, ele próprio, a bola na marca, decidido a pôr fim à fama de matador de penaltis que ostentava o Valongo.

A acção começou a rodar como se tudo estivesse a fluir em câmara lenta. Muitas apostas se espelhavam no ar no meio de assobios, mas desfecho da cena era totalmente imprevisível. Estavam frente-à-frente os maiores ídolos do povo. Toda gente sabia disso. O Matateu tomou balanço, dando uns passos à retaguarda. De repente, estacou placidamente com as mãos na cintura. Suspirou um assobio profundo, que se ouviu em todo campo. Parecia um touro enfurecido. Tudo estava parado, excepto as moscas teimosas enxotadas pelo leque das senhoras da tribuna ou simplesmente esmagadas pelas mãos calosas dos homens suados do peão, que assistiam ao jogo em pé.

O Tio Mukuna, homem truculento e adepto da bola, já falecido, estava no peão no meio da ruidosa multidão. Era a sua imperdível diversão, após uma semana a enraiar as rodas das "solex" na oficina do Seabra e a sorver uns copázios de tinto de barril no bar do Sr. Lopes Cacolete ou no escondidinho. Junto a ele estavam filhos de outros sofrimentos: operários, pescadores e os chamados criados, estes vindos de Caluquembe e que também adoravam futebol.

O árbitro finalmente apitou. Veloz como uma flecha, o Matateu largou em direcção à bola. O guardião Valongo estava posicionado na linha de golo, ligeiramente agachado no meio dos postes, como um felino pronto a atacar a presa e. O Matateu estoirou um monumental petardo direccionado para um dos cantos superiores da baliza, na certeza do golo. Eis que, como se fora feito de borracha, Valongo se elevou no espaço e captou a bola com uma só mão. Com o esférico dominado, ele aplacou suavemente no pelado vermelho do estádio, tal como uma nave trazida dos céus pelos anjos.

A assistência estava electrizada nas bancadas. Nunca ninguém vira nada parecido antes. O Matateu, recuperou da surpresa e correu em direcção ao Valongo, abraçando-o com incontida emoção. No fundo, eles eram amigos. Eram irmãos no infortúnio da negritude oprimida. Ofegante, o Mata (Matateu) mal conseguiu balbuciar estas singelas palavras:
- " És bom, tu és o melhor!"

*Advogado e jornalista