A incidência de denúncias sobre casos de abuso infantil tem sido persistente e alarmante. Não podem ser vistos apenas como um lembrete da vulnerabilidade das crianças, mas como um chamado à acção para garantir que medidas eficazes sejam implementadas para assegurar um ambiente seguro e saudável para todas as crianças.

Durante o primeiro trimestre deste ano, o Instituto Nacional da Criança (INAC) no Kwanza-Sul registou 52 casos de violência contra a criança, com realce para a fuga à paternidade, abuso sexual físico, trabalho infantil e exploração de menores, fez saber a directora local, Viriwneza de Matos, à comunicação social. Segundo a responsável, os registos dos casos são mais acentuados nos municípios do Sumbe, Porto Amboim e Ebo.

No Kuando-Kubango, os casos de exploração infantil subiram vertiginosamente neste ano. Os menores têm feito trabalhos impróprios para a idade. Mais de 80 casos foram registados pelo INAC, de Janeiro a Junho de 2024, denunciou Lérias Biwango, o responsável na região. A prática de exploração infantil tende a aumentar, naquela circunscrição, devido ao apoio ou conivência de muitos adultos, que, por diferentes motivos, acabam perpetuando essa grave violação dos direitos das crianças. Seja por necessidades económicas urgentes, seja por ausência de consciência sobre os instrumentos legais que regulam a protecção de menores, a conivência de adultos tem sido um factor significativo que contribui para a persistência deste problema local.

Para além do Kuando-Kubango, denúncias da exploração de menores vêm de todos os lados, com grande incidência de Luanda, provavelmente por ser a capital e devido à pressão demográfica. Não podemos ignorar o impacto sobre a saúde mental e emocional das vítimas. O trabalho infantil pode causar estresse psicológico, ansiedade, depressão e baixa auto-estima na criança. A pressão para contribuir financeiramente para a família na infância ou adolescência pode ser esmagadora e prejudicar o bem-estar emocional.

Ademais, há relatos preocupantes de crianças sendo acusadas de feitiçaria. Essas acusações podem resultar em consequências graves para as crianças envolvidas. Num período de dois anos, no caso, de 2022 até ao presente momento, o INAC recepcionou 245 denúncias de casos de crianças acusadas de prática de feitiçaria, das quais estiveram afectadas 118 crianças do sexo masculino e 127 do género feminino. A capital do país, Luanda, é a que mais registou ocorrências.

Para não falar de recém-nascidos abandonados em contentores de lixo. Situação que, amiúde, a comunicação social dá destaque. O caso mais recente aconteceu neste semestre, no município do Cazenga, em Luanda. É um fenómeno trágico, muitas vezes reflectindo questões complexas relacionadas à pobreza, falta de apoio social, entre outros. A abordagem para mitigar esse problema deve ser abrangente, com a finalidade de desencorajar comportamentos desta natureza.

Denúncias alarmantes de maltratos a crianças têm surgido de diversas regiões do país, revelando uma preocupante realidade nacional. Relatos de abusos físicos, emocionais e negligência têm sido cada vez mais frequentes nos últimos meses, levando as autoridades e as organizações de protecção infantil a intensificarem esforços de consciencialização e acção. É um desafio complexo que demanda uma resposta coordenada em todas as esferas da sociedade.

A Provedora de Justiça, Florbela Araújo, enfatizou que as medidas de protecção social têm de ser de mais actuante, visto que muitas crianças enfrentam riscos ainda maiores de exclusão social. Fê-lo quando dissertava sobre o tema "O papel do provedor de justiça na defesa dos direitos da criança", em Ndalatando.

A denúncia de maltratos às crianças é um imperativo moral e legal que não pode ser ignorado. É nossa responsabilidade colectiva proteger e garantir o bem-estar de todas as crianças, agindo com determinação e urgência contra qualquer forma de abuso ou negligência.

*Mestre em Linguística pela Universidade Agostinho Neto