Esta deslocação a Angola surge depois de no passado dia 23 Joseph Kabila ter cancelado um encontro com o seu homólogo angolano que a Presidência congolesa, segundo a imprensa de Kinshasa, tinha anunciado que iria ter lugar no Lobito, em Benguela.
Desta feita, ao contrário da que foi cancelada no passado dia 23, a presença de Kabila em Luanda foi confirmada pela Casa Civil da Presidência da República angolana, segundo divulgou a Angop.
De acordo com essa mesma nota, esta visita de Kabila inscreve-se no "quadro das relações de amizade e cooperação existentes entre os dois países irmãos e vizinhos e dos contactos regulares" entre os dois Chefes de Estado.
No entanto, apesar de repetidamente reafirmadas as boas relações entre os dois países, que partilham um fronteira de milhares de quilómetros e integram duas organizações de desenvolvimento regionais africanas, a SADC (África Austral) e a CEEAC (África Central), o processo eleitoral em curso, com eleições marcadas para 23 de Dezembro, levou a uma troca de afirmações entre Luanda e Kinshasa.
Em causa estão as dúvidas levantadas pela "entourage" de Joseph Kabila e das movimentações dos partidos que o apoiam, que, apesar deste estar impedido pela Constituição de se apresentar a uma 3ª candidatura, insistem em colocá-lo na "lista" de pré-candidatos, gerando forte contestação interna e sem que o próprio tenha, até ao momento, esclarecido quais as suas intenções.
Isso levou João Lourenço - que lidera o Órgão de Cooperação Política, Defesa e Segurança da SADC - , aquando da sua visita a França, numa entrevista, a pedir que fosse cumprido o denominado acordo de São Silvestre, assinado entre a Maioria Presidencial de Kabila e os lideres da oposição, mediado pelos bispos católicos, a 31 de Dezembro de 2016, como forma de ultrapassar a violência que decorria nas ruas da RDC e no qual o Presidente dava garantias de não se recandidatar à margem do que impõe a Constituição.
Esse acordo permitiu a Joseph Kabila manter-se no poder, até ao momento, dois anos para lá do expirar do seu segundo mandato, tendo prometido realizar eleições em 2017 e depois em 2018, que, ao que tudo indica, acontecerá em Dezembro próximo.
Entretanto, no meio de um intrincado processo de troca de acusações entre o regime a oposição congolesa, o primeiro-ministro congolês, Bruno Tshibala chegou a dar garantias, numa visita a Nova Iorque, que Kabila clarificaria o seu futuro político numa deslocação a Luanda, que estava prevista há meses mas que só agora terá lugar.
Não foram dadas quaisquer indicações de que Kabila poderá fazer declarações com esse conteúdo durante esta sua estadia de 48 horas em Angola.
Recorde-se que para João Lourenço, a estabilidade na RDC é um valor maior e foi essa a justificação que deu para as palavras que proferiu sobre a RDC, durante a entrevista à Euronews, em Paris.
RDC entre a estabilidade e o caos
A RDC está, como tem sido a norma desde a independência, em 1960, na corda bamba, por causa da indefinição alimentada por Kabila sobre as suas reais intenções de forçar ou não uma 3ª candidatura presidencial, apesar de a Constituição limitar a dois os mandatos sucessivos possíveis.
E Joseph Kabila teve uma oportunidade única de esclarecer essas mesmas dúvidas de uma vez por todas no recente discurso no Parlamento, em Kinshasa, tendo, no entanto, optado por passar por cima da questão mas não deixando de atacar aqueles que procuram "destruir a democracia no país e no mundo".
Ao fim de praticamente dois anos de governação fora do período legal dos dois mandatos constitucionais - Kabila deveria ter sido substituído em Dezembro de 2016 mas, através de uma série de expedientes, as eleições foram sendo adiadas -, os sinais emitidos pela Maioria Presidencial, coligação eleitoral que o tem apoiado, são, no mínimo, contraditórios.
Rosto de Kabila candidato está na rua
O seu Partido do Povo para a Reconstrução e Democracia (PPRD) organizou, nos últimos meses, uma campanha publicitária com o rosto de Kabila anunciando-o como o único candidato possível (ver notícias relacionadas em baixo), ao mesmo tempo que o seu ministro da Comunicação, Lambert Mende, tenha vindo a público dizer que o Presidente não contornará em momento algum os ditames constitucionais.
E o primeiro-ministro congolês, Bruno Tshibala, em Junho último, disse em Nova Iorque, como o NJOnline noticiou, que Joseph Kabila estaria em breve em Luanda para um encontro com João Lourenço, onde deixaria claro a sua posição e decisão sobre o seu futuro político, sublinhando que todas as dúvidas seriam diluídas nesse momento.
Entre as sérias dúvidas levantadas, por um lado, pelas campanhas da Maioria Presidencial e do PPRD, partido que fundou, que o apontam como candidato, mesmo que para isso tenham de forçar uma candidatura inconstitucional, e os seus ministros, que, pelo outro lado, têm procurado diminuir a pressão, o encontro entre João Lourenço e Kabila poderá ser central na definição do futuro da RDC.
Se Kabila deixar claro que não é candidato - as eleições deverão ser um dos temas centrais da agenda-, a RDC deverá respirar de alívio, com a oposição a baixar as "armas" e o processo eleitoral a decorrer sem a turbulência com que decorreram todos os processos eleitorais de transição política na RDC desde a sua independência.
Argumentos de Kabila
Um dos argumentos mais queridos dos apoiantes de Kabila para justificar a sua eventual continuidade no poder, o que passaria por forçar o tal 3º mandato e, como a oposição diz repetidamente temer, é a ameaça da instabilidade no gigante Congo, perigando toda a região, se ele não estiver no comando do país.
Num discurso no Parlamento, em 2017, Joseph Kabila disse mesmo que o mundo deve ter cuidado com a RDC porque, devido à sua geografia e posição no continente africano, pode ser o rastilho para a instabilidade em África e no mundo.
O Presidente não tem ainda deixado de lembrar que a RDC, devido às suas enormes riquezas naturais, tem sido alvo da cobiça global e que ele mesmo é o garante da defesa dos interesses nacionais nesse capítulo, apesar de a sua família controlar a esmagadora maioria dos grandes negócios no Congo-Kinshasa.