A decisão dos juízes surgiu depois do Ministério Público (MP), na sessão de discussão e julgamento, avançar com a possibilidade de a carta assinada por José Eduardo dos Santos ser falsa ou adulterada, porque a assinatura de JES tinha que ser analisada, uma vez que o mesmo assinou apenas na última página e as folhas não estarem rubricadas.
O Ministério Público entendeu que a carta enviada pelo ex-PR devia ter a assinatura reconhecida em notário, sendo que esse reconhecimento não chegou com a carta e isso levou à conclusão que não seria verídica.
No mesmo instante, os defensores dos réus Valter Filipe, Jorge Gaudens Pontes e António Bule disseram ao tribunal que os fundamentos do MP não faziam sentido algum uma vez que a carta foi entregue ao Tribunal Supremo e não à defesa.
"Se há de facto dúvidas sobre esse documento, solicito a este tribunal que faça diligências no sentido de ouvir por videoconferência o ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, apenas para ele confirmar se essa carta é verdadeira ou não", disse Sérgio Raimundo, advogado do ex-governador do BNA.
Depois de ter ouvido as partes, e após uma hora de análise, os juízes do Tribunal Supremo (TS) decidiram aceitar a autenticidade da carta escrita por José Eduardo dos Santos, datada de 06 de Fevereiro.
"O tribunal, em obediência ao princípio da celeridade processual, e uma vez que o declarante, enquanto ex-Presidente da República, tem a faculdade de não se apresentar ao tribunal, e declarar por escrito, entendeu-se enviar o questionário, apresentado pela defesa, nos termos da lei para se obter esse meio de prova de forma mais rápida, e mais consentânea com a justiça. Apesar da lei processual penal não exigir, naturalmente que essas declarações não suscitam qualquer dúvida", acrescentou o juiz João Pitra.
Em reacção, o advogado de defesa do réu, Valter Filipe, Sérgio Raimundo, disse que as declarações prestadas por José Eduardo dos Santos alteram completamente o decurso do julgamento.
"Isso é uma coisa que o MP deveria ter feito no início deste processo. Porque não se pode chegar a conclusões sobre se essas pessoas cometeram ou não os crimes de que estão acusadas se não se ouvir a pessoa que na altura dirigia o País para confirmar se mandou ou não fazer as operações e em que termos mandou", declarou o advogado.
Sérgio Raimundo espera que o tribunal conduza da melhor maneira esse processo e que no seu tempo determine qual é o caminho para os réus.
Na carta lida hoje em sessão no TS, José Eduardo dos Santos confirma em toda a linha as declarações iniciais de Valter Filipe, incluindo a decisão de manter a operação secreta.
"Confirmo sim ter autorizado o Governador Valter Filipe a tratar das formalizações desse fundo de investimento. E também pedi que o mesmo fosse secreto porque só depois é que séria formalizado publicamente".
Questionado se autorizou Valter Filipe a assinar os contratos resultantes das negociações com os promotores do financiamento, José Eduardo dos Santos, no mesmo documento, respondeu que autorizou o mesmo a assinar em nome do BNA em representação do Estado angolano, na primeira fase.
José Eduardo dos Santos refere ainda, na carta, que não existia qualquer possibilidade de alguém se apoderar dos 500 milhões de dólares sob pena de ser responsabilizado criminal e civilmente porque o contrato era claro nesse capítulo.
O ex-Presidente da República confirmou ter orientado o então Ministro das Finanças, Archer Mangueira, e o então governador do BNA, Valter Filipe, para apresentaram um parecer conjunto e que apenas recebeu pareceres separados, tal como referiu Valter Filipe no seu interrogatório.
O antigo Chefe de Estado diz na carta que estavam em preparação os Decretos Presidenciais para formalização da criação do fundo bem como todos os actos que, dado a sua natureza urgente, foram praticados sem a observância da forma legal e que só não o fez porque terminou o seu mandato de Presidente.
O disse Filipe em julgamento
Recorde-se que o antigo governador do Banco Nacional de Angola (BNA), Valter Filipe, nas suas declarações iniciais em tribunal, defendeu que a operação da transferência dos 500 milhões de dólares para uma conta do Credit Suisse de Londres, com o objectivo de financiar um plano de financiamento internacional de 30 mil milhões em infra-estruturas em Angola, tinha sido legal.
Essa legalidade resultava, segundo Valter Filipe da sua competência para a sue efectivação bem como contava com a autorização superior do Presidente da República, José Eduardo dos Santos.
Valter Filipe afirmou, em Dezembro, ter recebido orientações do ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, para transferir os 500 milhões USD do BNA para o Crédit Suisse de Londres (Reino Unido).
"Antes de sair do BNA informei o actual governador sobre a operação e deixei claro que estava disponível para esclarecer qualquer dúvida sobre o andamento do processo", disse o antigo gestor do banco central.
Valter Filipe disse ainda que todo este processo "foi conduzido" pelo antigo Presidente, que o Banco Nacional apenas coordenou a equipa de negociações e "não camuflou nada sobre a transferência, como diz acusação".
O antigo governador do BNA afirmou, em tribunal, durante o seu interrogatório, que o ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, lhe ordenou que passasse toda a informação sobre o processo da transferência dos 500 milhões USD e sobre a criação do fundo de investimento em Londres ao seu sucessor, para que João Lourenço e o seu Governo continuassem com a operação.
Valter Filipe reafirmou que tinha competência para ordenar a transferência dos 500 milhões de dólares e que toda a operação fora "ultra secreta" mas lícita.
Recorde-se que o ex-governador do Banco Nacional de Angola, Valter Filipe, e o antigo presidente do Fundo Soberano, José Filomeno dos Santos, estão acusados de branqueamento de capitais e peculato, no âmbito do conhecido caso dos 500 milhões USD transferidos ilegalmente do BNA para o estrangeiro.
A José Filomeno dos Santos e a Valter Filipe juntam-se ainda, na condição de arguidos, Jorge Gaudens e António Samalia Bule.
A carta que já ninguém esperava
Esta aparição de uma carta emitida por José Eduardo dos Santos em tribunal surge depois de o próprio Tribunal Supremo, no passado dia 12, ter anunciado que tinham sido esgotados todos os esforços no sentido de "ouvir" o Ex-Presidente da República na qualidade de declarante.
Este julgamento ficou conhecido como "caso 500 milhões de dólares" transferidos ilegalmente do Banco Nacional de Angola para o banco Crédit Suisse de Londres, Inglaterra, em 2017, e em que o filho de JES, José Filomeno dos Santos, é um dos réus.
O juiz João Pitra, informou, nesse dia, em resposta aos requerimentos solicitados pelos defensores dos réus, durante as sessões de discussão e julgamento, que o tribunal enviou o questionário com as perguntas pretendidas ao ex-Chefe de Estado angolano, José Eduardo dos Santos, mas que o mesmo, até ao momento, não respondera nem mostrara interesse de prestar quaisquer declarações.
"Relativamente às declarações que a defesa do réu Valter Filipe solicitou a este tribunal em querer ouvir o então Presidente da República, já este tribunal diligenciou, no sentido de obtê-las, conforme o solicitado pelo réu Valter Filipe. Apesar destas diligências, não tivemos nenhuma resposta e nem sequer a manifestação da vontade de prestar declarações", disse o juiz, que afirmou que esse é um direito que assiste ao ex-PR.
De acordo com o juiz João Pitra, para não cortar o direito da defesa, pois a condição de declarante não é um dever cívico como acontece com as testemunhas, devia a defesa diligenciar no sentido de obter as respostas requeridas ao ex-PR.
No primeiro dia do julgamento, a 9 de Dezembro, o advogado Sérgio Raimundo, que defende o ex-governador do Banco Nacional de Angola, Valter Filipe, pediu ao TS que fosse ouvido o ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, porque era seu entendimento que isso era fundamental para a descoberta da verdade, ao que o Ministério Público se opôs mas o juiz acabou por concordar com o pedido da defesa.
De lá para cá, explicou nessa quarta-feira, 12 de Fevereiro, o tribunal, não foi, até aí, obtida qualquer manifestação do antigo Presidente da República de querer prestar declarações sobre o processo.
Nessa quarta-feira, 12, foi ouvido o actual ministro de Estado do Desenvolvimento Económico e Social de Angola, Manuel Nunes Júnior.
Perguntado se esteve presente na audiência que o ex-Presidente da República concedeu, a 17 de Setembro de 2017, aos supostos promotores do financiamento de 30 mil milhões de dólares, respondeu que sim e que não sabe dizer porque é que esteve presente.
"Até agora não sei porque participei na audiência, pois não tinha qualquer cargo no Governo visto que o anterior Executivo estava a cessar funções e já havia um novo Presidente eleito. O único cargo que estava a ocupar era o de coordenador da comissão económica da Assembleia Nacional, e nem sei por que razão fui convidado a participar da audiência", explicou o ministro de Estado do Desenvolvimento Económico e Social.
Questionado se chegou a ser apresentado aos promotores como a pessoa que no futuro Governo iria continuar a tratar do processo, respondeu que não e disse que essa referência nunca foi feita.
Interrogado se tomou conhecimento de uma orientação dada pelo então PR a solicitar ao réu Valter Filipe que lhe fizesse chegar o dossier do processo, respondeu que não.
Perguntado se esteve presente num segundo encontro, com o ex-Governador do BNA, Valter Filipe e os seus adjuntos na sede do partido MPLA e se recebeu o dossier, Manuel Nunes Júnior disse que não e que não lembra desse encontro na sede do partido.
De seguida, o advogado do réu Valter Filipe, Sérgio Raimundo, pediu ao tribunal que fossem lidas as declarações do ex-ministro das Finanças Archer Mangueira, em que o mesmo confirma ter participado desse encontro na sede do MPLA.
Após terem sido lidas as declarações do ex-ministro das Finanças Archer Mangueira, Manuel Nunes Júnior voltou a afirmar que não se recorda desse encontro e da tal solicitação.
Seguidamente, o advogado Sérgio Raimundo pediu ao tribunal que fosse feita uma acareação entre Manuel Nunes Júnior, o ex-ministro das Finanças Archer Mangueira, e o ex-Governador do BNA, Valter Filipe, o que o tribunal rejeitou por entender que se trata de uma manobra delatória da defesa, pois entende que tal acareação não vai influenciar no processo.