Primeiro, a excepcionalidade africana começou por ser explicada com possíveis razões climáticas, rapidamente descartadas porque o calor e a humidade não travou o novo coronavírus noutras geografias, depois a juventude da maioria dos 1,2 mil milhões de habitantes do continente, mas também não devia ser por aí, embora esta realidade tenha sido um travão reconhecido aos efeitos mais adversos da infecção, claramente menos grave entre os mais jovens...
Mas não existia uma tese que fosse colhida como razão de fundo para que a Covid-19, à excepção da África do Sul, que lidera em número de casos e de mortes no continente, e nalguns países do Norte, como a Argélia ou o Egipto, onde a situação é claramente mais grave, não tivesse sido o flagelo que a OMS e outros organismos internacionais previam.
A resposta está, afinal, embora faltem partes importantes de comprovação científica, segundo um estudo europeu publicado nas últimas horas, num gene abundante entre os asiáticos, existente em cerca de metade da população do sul deste continente, e em pelo menos 16% da população europeia, mas que é quase inexistente em África.
Esse gene é uma herança dos neandertais, - Homo neanderthalensis - uma espécie humana arcaica, que surgiu na Europa e no Médio Oriente há 400 mil anos e extinta há cerca de 28 mil anos - mas com quem os humanos modernos - os humanos actuais - conviveram durante alguns milhares de anos, tendo herdado um gene que este estudo revela como facilitador da infecção pelo novo coronavírus na sua forma mais grave e letal.
Publicado na revista Nature, este estudo, da autoria de Hugo Zeberg, do Instituto Karolinska, na Suécia, e de Svante Pääbo, do Instituto Max Planck de Antropologia da Evolução, indica que se trata de um segmento genético no cromossoma 3, que chegou até nós como herança dos neandertais, e que é ma espécie de porta de entrada aberta para a Covid-19, sendo que esta herança genética não calhou à esmagadora maioria dos africanos, estado geograficamente mais concentrada no sul da Ásia, havendo países como o Bangladesh onde quase 70% da população o tem, enquanto na Europa, nalguns países pode chegar aos 20%.
Os investigadores e autores deste estudo alertam, porém, que se trata de mais uma razão que distingue a agressividade do novo coronavírus em função da geografia, e não a única, e advém do cruzamento já comprovado pela ciência entre os humanos modernos e os seus primos arcaicos, os neandertais, deixando uma porta aberta pata o SARS CoV-2 entrar nos portadores deste gene com mais facilidade e gravidade.
Actualmente, em África, a África do Sul é o único país entre os 10 mais afectados pela pandemia, que já chegou a mais de 34 milhões de pessoas e fez mais de 1 milhão de mortos, numa lista liderada pelo Estados Unidos, com 7. 23 milhões, o Brasil, com 4,8 milhões, a Rússia com 1,1 milhões, sendo a África do Sul o 9º, com 674 mil casos.
Realidade em África
Os últimos dados do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças da União Africana (África CDC), África conta com 36.143 mortos em 1.48 milhões de infectados, o que tem especial importância porque se trata de um continente com cerca de 1,2 mil milhões de habitantes, mais de 4 vezes mais que, por exemplo, os EUA, e cinco a seis vezes mais de o Brasil.
Entre os países de língua oficial portuguesa no continente, Angola lidera em número de mortos e Moçambique em número de casos.
Angola regista 183 mortos e 4.972 casos, seguindo-se a Guiné Equatorial, 83 mortos e 5.030 casos, Moçambique, com 61 mortos e 8.728 casos, Cabo Verde, com 60 mortos e 6.024 casos, Guiné-Bissau, com 39 mortos e 2.362 casos e São Tomé e Príncipe, que tem 15 mortos e 911 casos registados.