Os países mais ricos, incluindo os da União Europeia, estão a ser acusados de estarem a açambarcar as escassas vacinas que existem no mercado, levando mesmo a ONU a fazer-lhes fortes críticas, o que levou alguns dos visados a responder com garantias de redireccionarem parte dos seus stocks para alguns países onde o acesso às campanhas de vacinação estão mais retardado.

Uma das questões subjacentes a estas iniciativas, que, para além de Portugal, envolvem outros países europeus, é até que ponto vão efectivamente ser redireccionadas as vacinas quando e enquanto esses mesmos países mantiverem os seus objectivos de vacinação da população abaixo do pretendido.

No anúncio que fez, António Costa, actualmente também presidente do Conselho da União Europeia, disse que Portugal considera prioritário, embora sem quantificar, a disponibilização de doses adicionais das vacinas aos países de língua portuguesa com quem Lisboa tem uma cooperação de maior proximidade histórica.

Já depois deste anúncio, o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, explicou que vão ser 1 milhão de vacinas a partir do segundo semestre de 2021. Mas não foram avançados pormenores sobre os critérios para essa distribuição.

Santos Silva adiantou, todavia, que essa distribuição e a quantidade vai depender "do abastecimento por parte das farmacêuticas" que as produzem.

Numa intervenção pré-gravada para um evento promovido pela Global Citizens, uma organização não governamental (ONG) que está a lançar uma campanha para a mobilização de mais fundos para a luta global contra a covid-19, uma iniciativa que conta com o apoio da Comissão Europeia, António Costa defendeu, segundo a Lusa, que "o apoio à vacinação internacional é essencial para a erradicação da pandemia de covid-19" porque "nenhum país do mundo estará seguro até que todos estejam seguros".

"Para além de financiar a Iniciativa Covax, que tem como objectivo fornecer vacinas a 20% da população de 92 países, no âmbito da União Europeia estamos a trabalhar num mecanismo de partilha de vacinas que poderá disponibilizar doses adicionais de vacinas, sendo África naturalmente uma prioridade", afirmou o primeiro-ministro de Portugal, país que preside até Junho ao Conselho da União Europeia.

Recorde-se que o Secretário-Geral das Nações Unidas tinha dito, dias antes, que "a igualdade de acesso às vacinas é uma questão de direitos humanos", sublinhando que,naquilo a que chamou "nacionalismo das vacinas", até agora "mais de três quartos das doses de vacinas foram administradas em apenas 10 países, enquanto mais de 130 nações ainda não receberam uma única dose".

"A impossibilidade de garantir o acesso equitativo às vacinas representa uma nova falha moral que nos faz regredir anos", considerou.

Ainda neste contexto, recorde-se, a África do Sul, o país africano mais afectado pela pandemia da Covid-19, está a liderar um movimento internacional que visa pressionar as grandes companhias farmacêuticas para libertarem as patentes das vacinas que criaram de forma a permitir aos países mais pobres vacinarem os seus povos.

O que a África do Sul está a fazer, de facto, neste momento, colocando-se como pivot de uma vontade global partilhada por Governos e organizações de todo o mundo menos desenvolvido, é avançar contra o domínio global do medicamento pelas farmacêuticas para que estas facilitem o acesso às vacinas para a Covid-19 nos países que não estão a conseguir competir no frenético combate mundial pela aquisição das vacinas já disponíveis.

Mundo esse que se traduz de forma simples: os países mais ricos estão a adquirir milhões de doses além das suas necessidades porque as farmacêuticas não estão a conseguir corresponder à procura, levando a que os países menos aptos economicamente vão ficando para o fim da linha, podendo mesmo, como lembrava há duas semanas a The Economist, ter acesso às vacinas apenas em 2023.

Citado pelo The Guardian, Mustaqeem De Gama, representante sul-africano no departamento da propriedade intelectual da Organização Mundial do Comércio (OMC), defende que o domínio global nesta área deveria alertar os mais ricos para a excruciante dor que estão a gerar nos mais pobres sem acesso a estes medicamentos cruciais.

"Os países onde estas grandes farmacêuticas estão sedeadas devem, rapidamente, criar mecanismos que as impeçam de bloquear a disponibilidade das patentes", porque essa é a única forma de corrigir esta injustiça, apontou.

Esta posição foi já materializada numa proposta na OMC, pela África do Sul e pela Índia, com o apoio de dezenas de outros países em desenvolvimento, sob o argumento de que o trespasse dos direitos sobre estas vacinas iria permitir a uma grande parte da população mundial desfavorecida ser vacinada já e não daqui a muitos meses, senão anos.

A África do Sul e a Índia são dois dos países com capacidade para produzir vacinas se tivessem acesso às patentes com o acrescento de estarem disponíveis para que a sua produção chegue a outros países economicamente fragilizados.

Neste momento, recorde-se, a única forma de os países mais empobrecidos terem acesso às vacinas é via Covax, uma iniciativa global da Gavi - Aliança para as Vacinas, que agrega entidades públicas e privadas mas que tarda em fazer efeito, porque as firmas que estão a produzir as vacinas não estão a ter capacidade de resposta para as encomendas dos mais ricos.