Os fármacos foram removidos do local por volta das 09:00 de domingo, pela Empresa de Limpeza e Saneamento de Luanda (ELISAL), sob acompanhamento policial, mas até ao momento as autoridades administrativas e da saúde, a nível do município do Cazenga, remeteram-se ao silêncio quanto ao assunto.
A tonelada de medicamentos foi deitada por um camião-basculante, por volta das 03:00, contaram ao Novo Jornal vários moradores que ouviram o que julgaram ser elementos da operadora de limpeza que habitualmente remove o lixo dos dois contentores aí instalados.
Por volta das 05:00, duas senhoras, catadoras de lixo, depararam-se com a situação e alertaram a vizinhança que de seguida chamou a polícia.
Os medicamentos estavam em caixas seladas, e muitos tinham o prazo de validade vencida em Março e Maio desde ano, como verificou o Novo Jornal ao consultar a data nas embalagens.
Antes da chegada dos efectivos da polícia ao local ao conhecido campo dos "benguelenses", junto ao ex-aviário, no Bairro Kalawenda, no Cazenga, alguns cidadãos recolheram vários fármacos e levaram-nos consigo.
Vários populares disseram que os fármacos tinham validade até Junho, por isso os levaram, outros contaram que as pessoas que os levaram, na sua maioria, se dedica à venda ambulante de medicamentos.
Ao longo das imediações, como certificou o Novo Jornal no local, várias eram as caixas de medicamentos esvaziadas espalhadas no chão, o que reflecte, que entretanto muitos fármacos foram levadas para parte incerta.
"Isso até é feio, nos hospitais há pessoas a morrerem. Afinal existem pessoas que armazenam medicamentos, a ver todo este sofrimento do povo, e deixam mesmo expirar os remédios?", lamentou a anciã Madalena Amaro, moradora da zona.
Um cidadão que vive próximo do local contou que ouviu o barulho do camião, mas julgou ser a ELISAL a fazer a recolha do lixo.
Paulo Figueiredo, de 45 anos, disse nunca ter visto isto na sua vida, e não percebe as razões que levaram as pessoas a guardar aquela quantidade de medicamentos e deixá-los expirar, "isso é desumano", afirmou.
Segundo os moradores da zona, para além de ser um atentado à saúde pública o que se verificou neste domingo, é também uma clara demonstração de que as coisas em Angola estão fora do controlo das autoridades, por isso pedem maior fiscalização.
Ao Novo Jornal, o presidente do Sindicato dos Médicos de Angola, Adriano Manuel, entende que isso só ocorreu pelo facto de não existir um projecto de ligação entre as farmácias e o Ministério da Saúde.
"Se houvesse organização entre as farmácias e o Ministério da Saúde isso não acontecia, no entanto, só vem mostrar que o sector da saúde em Angola não está organizado porque não há estruturas tenham evitado isso", disse.
Segundo o médico Adriano Manuel não se percebe como as farmácias deixam prescrever medicamentos.
"Isso é falta de organização do Ministério da Saúde, porque o ministério tem uma direcção de medicamentos, e essa direcção precisa de saber quais os lotes de fármacos que entram no País e as datas de validade. Esses medicamentos que foram deitados ao lixo fazem falta a muitas pessoas e famílias", afirma.
De acordo com o presidente do Sindicato dos Médicos de Angola, as pessoas ligadas aos sectores dos medicamentos em Luanda devem ser responsabilizadas.
O sociólogo Carlos Conceição diz não compreender como é possível que haja falta de medicamentos nos hospitais e pessoas a morrer, enquanto há empresas que armazenam medicamentos até eles expirarem.
"Isso só mostra que o nosso sistema de saúde é doente, por isso caminhamos da forma como caminhamos. Assim não vamos a lado algum", alertou.
Segundo o sociólogo, essa quantidade de medicamentos na rua pode suscitar curiosidade nas pessoas, sobretudo aquelas vulneráveis, que não têm o poder de comprar os remédios nas farmácias a fazerem o uso do mesmo.
"Isso é de facto uma nota negativa que se atribui ao Ministério da Saúde e às instituições do Estado que têm o dever de fiscalizar e regular o funcionamento das próprias organizações", salientou.
Sobre o assunto, o Novo Jornal tentou insistentemente ouvir esclarecimento da direcção municipal da saúde do Cazenga, assim como o do administrar municipal, Tomás Bica, mas sem sucesso.
O Serviço de Investigação Criminal (SIC), em Luanda, assim como o comando provincial da Polícia Nacional, quanto contactados pelo Novo Jornal asseguraram não ter recebido no seu relatório semanal esta ocorrência.