Já lá vai o tempo em que o Governo de Nicolas Maduro, em Caracas, era o inimigo número 1 dos Estados Unidos da América, e quando Washington reconheceu mesmo Juan Guaidó legítimo Chefe de Estado venezuelano quando este, em 2019, se autoproclamou Presidente, que acabou agora por abandonar à sua sorte porque a prioridade é desvitalizar a economia russa, que está em redobrado esforço para alimentar a guerra na Ucrânia.

Com esta decisão de permitir ao Governo de Nicolas Maduro aumentar até 25% a sua produção, com o afrouxamento das sanções dos EUA sobre o sector petrolífero venezuelano, Washington consegue diluir o impacto dos cortes estratégicos do eixo Rússia-Arábia Saudita na OPEP+, com os quais têm conseguido manter a matéria-prima artificialmente em valores elevados e perto dos 100 USD nos últimos meses.

Embora eficaz, esta decisão permite igualmente perceber que para os EUA não há amizades, há interesses, que, sendo uma das frases mais batias da diplomacia internacional, e cuja autoria tem viajado através do tempo no limbo da dúvida, de Churchill a de Gaule ou Foster Dulles, permite salientar que, provavelmente, não é o crude que motoriza o mundo, são os interesses.

E os interesses gerados em torno do petróleo são imensos, como o demonstra o facto de o Presidente Joe Biden ter estado empenhado, praticamente os três anos que leva de mandato, a pressionar a OPEP+ para aumentar a produção de forma a reduzir os preços, sem sucesso...

Acabou agora por consegui-lo ao tirar este coelho da cartola, que é levantar as sanções, mesmo quer parcialmente, à Venezuela, que, assim, passará a injectar mais cerca de 200 mil barris por dia nos mercados, em cima dos actuais cerca de 800 mil diários, embora muito longe dos mais de 3 mbpd da década de 1990.

E os efeitos foram imediatos. Depois de uma subida de mais de 3% motorizada pela guerra em Gaza, o barril de Brent, o que serve de referência principal para as ramas exportadas por Angola, está a perder, perto das 12:45, hora de Luanda, mais de 1,30%, para os 90,22 USD, embora já tenha estado abaixo da fasquia simbólica dos 90 USD a meio da manhã.

Ou seja, se a notícia da abertura da torneira venezuelana não conseguir mais que isto, provavelmente a cedência aos princípios usados pelos EUA para apoiar Guaidó e perseguir Maduro, terão pouco uso ou nenhum, porque o barril acima dos 90, ou mesmo 80 USD, é um pesadelo para a economia norte-americana, e europeia, que atravessam ambas crises severas, onde a inflação é uma das cabeças da Hidra.

E para Angola também não é lá grande notícia, embora se as coisas não balançarem muito para baixo dos 90, até aqui tudo vai bem, porque o importante não é a queda, é a aterragem, e essa só é chão demasiado duro abaixo dos 75 USD, que é o valor médio com que o Governo elaborou o OGE 2023.

Recorde-se que a OPEP+ tem em curso um programa de cortes de 3,6 milhões de baris por dia, aos quais se juntam os 1 mbp dos sauditas e os 300 mil bpd dos russos, de motu proprio, o que significa que os 200 mil arescidos à produção de Caracas, provavelmente pouco impacto terão nos mercados globais.

Mas para Angola, as contas são estas...

Para Angola, que é um dos produtores e exportadores que mais dependem da matéria-prima em todo o mundo, devido à escassa diversificação económica, manter o Brent acima dos 90 USD permite diluir os efeitos devastadores da crise cambial e inflacionista e gera superavit relevante face ao valor de 75 USD por barril com que foi elaborado o OGE 2023.

O petróleo representa hoje mais de 90% das suas exportações, corresponde até 35% do PIB e garante cerca de 60% dos gastos de funcionamento do Estado.

O Presidente da República, João Lourenço, deposita esperança, no curto e médio prazo, de conseguir o objectivo de maner a produção nacional acima de 1,1 mbpd com os campos "Ndola Sul", "Agogo Fuel ou os projectos "Begónia", "Cameia" e "Golfinho", gerando mais receita no sector de forma a, como, por exemplo, está a ser feito há anos em países como a Arábia Saudita ou os EAU, usar o dinheiro do petróleo para libertar a economia nacional da dependência do... petróleo.

O aumento da produção nacional não está a ser travada por falta de potencial, porque as reservas estimadas são de nove mil milhões de barris e já foi superior a 1,8 mbpd há pouco mais de uma década.

Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.

Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.

A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.