A Arábia Saudita e a Rússia, dois dos três maiores produtores mundiais, que estão associados desde Janeiro de 2017 num programa de cortes na produção para controlar o preço do barril de "ouro negro" nos mercados internacionais, aceitaram submeter-se à vontade de Washington, onde a Administração Trump, com as eleições intercalares para o Congresso marcadas para Novembro, precisava desesperadamente de combustíveis baratos para satisfazer os seus eleitores.
O resultado do aumento, a partir de Junho, de um milhão de barris por dia foi-se tornando claro à medida que as semanas iam passando e, por fim, em meados de Outubro já era claro que o efeito da decisão estava a ir longe demais: de quase 85 USD, o barril de Brent - mercado londrino que talha o valor das exportações angolanas -, passou para próximo dos 75 e hoje o marcado abriu em acentuada queda, para baixo da fasquia do 70 USD, estando, cerca das 09:00 a 69,35 dólares por barril.
Este cenário, para as contas angolanas, é, no mínimo, mau, porque, hoje, o barril está apenas a cerca de 1,5 dólares acima do valor com que o Governo desenhou o Orçamento Geral do Estado, a 68 USD por barril.
Mas era difícil adivinhar que, dos mais de 80 em que estava quando o OGE foi pensado, passaria para o valor a que está a ser transaccionado hoje.
Face a este cenário, na passada semana, os ministros dos Petróleos e da Energia da OPEP (Organização de Países Exportadores de Petróleo), reuniram de emergência em Abu Dhabi com a missão de dar uma resposta a este problema, que estava a gerar fortes críticas no seio do "cartel" à conduta da Arábia Saudita.
Seja porque percebeu o erro ou porque o seu aliado Donald Trump já tinha obtido o que pretendia para as eleições intercalares nos EUA - onde acabou por perder uma das câmaras do Congresso para os Democratas -, a Arábia Saudita divulgou ontem, segunda-feira, que estava a preparar-se para cortar 500 mil barri à sua produção diária, deixando antever novas medidas caso se evidenciassem como necessárias, como, por exemplo, retirar do mercado os 500 mil barris que falta para repor a situação de Junho deste ano.
Segundo o ministro saudita dos Petróleos, Khalid al-Falih, os 500 mil barris vão deixar de estar disponíveis nos mercados em Dezembro, como forma de esvaziar o actual excedente de produção que as grandes economias, como a dos EUA, da China e da Índia, estão a aproveitar para engordar as seus reservas estratégicas.
O efeito não foi imediato, o que está a ser lido pelos analistas como a evidência de que a economia mundial aproveitou bem este "bónus" de Riade a Trump para se fortalecer por uns tempos, deixando os responsáveis sauditas com uma dor de cabeça suplementar, obrigando-os a correr ainda mais atrás do prejuízo, que, em contas a grosso, é já superior a 20 por cento em escassas três semanas.
Menos 20% em 3 semanas
Esta queda no valor do barril de 20 por cento desde meados de Outubro é um rude golpe para as petroeconomias como a Angolana, que estava claramente a utilizar os excedentes dos últimos meses para acertar contas internas e externas, nomeadamente no pagamento da dívida, e que, agora esteve, ainda está, em risco devido à opção estratégica de Riade.
Esta medida, como se pode adivinhar pelos mujimbos saídos da reunião de Abu Dhabi, deverá ser seguida pelos restantes parceiros da OPEP+, designação atribuída à associação ao cartel dos 11 produtores liderados pela Rússia em Janeiro de 2017, com um novo programa de cortes colectivo para 2019.
Tudo, porque, segundo relatórios de organismos internacionais, incluindo a própria OPEP, 2019 deverá ser um ano em que a oferta tende, aos valores de hoje, a sobrepor-se à procura, o que exige um programa forte de cortes adicionais à OPEP+ se quiser manter o preço do barril em valores sustentáveis para as suas economias.
Ou seja, como deixou claro nas últimas horas o ministro saudita dos Petróleos, o corte na produção terá de ser superior a 1 milhão de barris por dia, e isso tornar-se-á claro logo no arranque de 2019.
Recorde-se que em finais de 2016, num recorte raro e histórico, a OPEP juntou-se à Rússia e a mais 11 produtores para suportarem em conjunto um programa de cortes de 1,8 milhões de barris por dia, como diluente para o forte excesso de oferta nos mercados que tinha conduzido à crise de 2014, com uma quebra abrupta do valor do barril.
Nos primeiros meses desse ano, o barril chegou a valer menos de 29 USD em Londres, o que obrigou à tomada de medidas drásticas.
O programa teve sucesso, diluiu os excessos no mercado, catapultou os preços para lá dos 80 USD e deixou países como Angola à beira de poderem ultrapassar a forte crise económica que afectou em meados de 2014 por causa da sua petrodependência... até que a geopolítica do Médio Oriente voltou a fazer das suas e Riade vacilou face ao seu aliado, Washington, aumentando, com a Rússia, a produção em mais de 1 mbpd.
Para já, ao que tudo indica, esse sobressalto terá passado, mesmo que os mercados ainda estejam no vermelho. Às 09:50 de hoje, hora de Angola, o Brent de Londres estava a verder o barril a 69,64 USD. Menos quase 17 USD que o pico alcançado este ano e apenas menos 1,64 USD acima do valo0r com que foi erguido o OGE de Angola para 2019.
Trump não gostou
O Presidente norte-americano não gostou do que ouviu ontem e ameaçou a OPEP com um vigoroso comentário na rede social Twitter, onde afirmou que espera que a organização não volte a cortar a produção porque "os preços têm de ser ainda mais baixos" do que são actualmente.
É já evidente que o Twitter é a ferramenta com que Trump tem acertado as contas com os membros da OPEP+, e desta vez voltou a ser assim, exigindo e ordenando-lhes que não abusem dos cortes e mantenham os preços do crude baixos.
O argumento de Trump é que, com base no mercado da oferta e da procura, os actuais preços são artificiais porque nada justifica que o mercado registe escassez de qualquer natureza.
Ao ter atingido recentemente o valor recorde em quatro anos, o petróleo é claramente uma ameaça aos objectivos económicos dos EUA, o maior consumidor do mundo, ao mesmo tempo que é também o 2º maior produtor global, com mais de 10 mbpd.
Não se sabe ainda que resposta lhe dará a OPEP+, mas, com base no que se passou com o jornalista dissidente saudita radicado nos EUA, Jamal Khashoggi, assassinado no consulado de Riade em Istambul, na Turquia, que despoletou o maior embaraço diplomático da Arábia Saudita em muitos anos, o desfecho é impossível de perspectivar.
Isto, porque Donald Trump foi logo para a primeira linha da pressão sobre a Casa de Saud - corte que governa o reino da Arábia Saudita -, provavelmente porque sabia que teria ali um trunfo para jogar mais cedo ou mais tarde no ardiloso xadrez do crude global.