Foram quatro horas de vigor verbal entremeado por pura má educação, aqui e ali, com a corrupção a servir de arma de arremesso mais vezes atirada à cara do adversário, e Bolsonaro esteve alguns pontos à frente de Lula neste capítulo, até porque já lhe resta muito pouco além disso para tentar, até ao próximo Domingo, evitar que o antigo trabalhador metalúrgico o empurre com mais ou menos moderação, depende do que suceder até lá, do Palácio do Planalto, em Brasília, de onde o Presidente brasileiro governa o gigante sul-americano de 220 milhões de habitantes.
Como engodo para esta luta de galos verbal, isto: Lula, depois de ouvir, ao longo de semanas, Bolsonaro chamá-lo ex-presidiário, corrupto dos corruptos... o antigo Presidente avisou o actual Chefe de Estado que, assim que tomar posse, dando como certa a vitória, já no Domingo ou daqui a um mês, numa segunda volta, vai assinar um decreto para obrigar à revelação do que andou a esconder com os seus despachos a impor segredo de Estado por 100 anos para muitos dos processos que envolvem a sua família.
Recorde-se que Bolsonaro já disse que depois destas eleições só lhe restam três caminhos: manter-se como Presidente, a morte ou a cadeia. Lula, pelo seu lado, confia nas sondagens que lhe dão, sem margem para dúvidas, garantias de vitória sobre Bolsonaro, com mais de 15% de vantagem, já, ou mais de 20% numa hipotética segunda volta.
O duelo, transmitido na TV, no canal aberto da Globo, começou perto, hora de Luanda, das 02:00 e terminou já de manhã, às 06:00 (hora local das 22:00 às 02:00) desta madrugada de quinta para sexta-feira, além de Luiz Inácio Lula da Silva (Partido Trabalhista) e Jair Bolsonaro (Partido Liberal), contou com a participação de Ciro Gomes (PDT), Padre Kelmon (PTB), Luiz Felipe D'Ávila (Novo), Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (União Brasil).
No relato feito pela Lusa, o fio dos acontecimentos é este:
Padre Kelmon (PTB), que serviu de bengala a Bolsonaro durante todo o debate, questionou o Presidente brasileiro sobre se a esquerda quer "fechar igrejas e calar a boca de padres".
A partir daí o debate descambou numa troca de acusações de corrupção e de pedidos de direito de resposta entre os dois principais candidatos.
"Comporte-se como presidente, não minta", afirmou Lula, denunciando depois alegados casos de corrupção de Bolsonaro nas negociações de compra de vacinas da covid-19 que não foram concretizadas, mas também um caso envolvendo o Ministério da Educação, onde pastores evangélicos pediam dinheiro para os seus municípios.
"Traidor da pátria. Rachadinha [desvio de salários de assessores] são os teus filhos. Roubaram milhões após a tua chegada ao poder", acusou Bolsonaro, acrescentando: "Mentiroso, ex-presidiário, traidor da pátria".
Lula garantiu que no domingo "o povo" vai mandar o Presidente brasileiro "para casa"
A certa altura, Ciro Gomes, terceiro classificado nas sondagens, desabafou, em tom de brincadeira: "Eu posso esperar lá fora?".
Jair Bolsonaro aproveitou ainda para recordar o assassinato de Celso Daniel, um importante líder do Partido dos Trabalhadores (PT), o partido fundado e liderado por Lula, que foi assassinado em 2002, num crime inicialmente atribuído a militantes desse partido político que se opunham à decisão de Daniel de combater e denunciar a corrupção.
O antigo dirigente sindical pediu para se defender da acusação e admitiu desconforto por ter de abordar a questão e partilhar o debate com uma pessoa "sem vergonha", referindo-se a Bolsonaro.
"Isto não é apresentação de propostas mas de ataques mútuos para verem quem roubou mais", afirmou a senadora Simone Tebet.
Ao longo do debate, a quarta classificada nas sondagens procurou chamar a atenção para a precariedade da educação brasileira, as crianças que passam fome e os incêndios na Amazónia, questão que teve resposta de Bolsonaro: "Então a falta de chuva é responsabilidade minha?"
O clima de tensão voltou também quando Padre Kelmon (PTB) - apelidado pela candidata Soraya Thronicke de "cabo eleitoral" de Bolsonaro e de "padre de festa junina" - acusou mais uma vez Lula de ser um corrupto.
"Tive 26 denúncias mentirosas de uma pessoa que depois foi ministra do atual governo", disse Lula, referindo-se a Sérgio Moro, o juiz que esteve na base da condenação de Lula da Silva por corrupção em processos da Operação Lava Jato.
Contudo, estes acabaram anulados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) devido à jurisdição e reconhecimento da parcialidade de Moro.
"Fui absolvido em 26 processos dentro do Brasil", afirmou Lula, rematando: "Quando quiser falar de corrupção olhe para outro, não olhe para mim".
Uma pergunta que ficou sem resposta foi a de Soraya Thronicke que questionou Bolsonaro sobre se respeitará os resultados da eleição e se pretende dar um golpe de Estado.
Bolsonaro, que ambiciona ser reeleito a 02 de outubro, tem questionado a fiabilidade do sistema de votação electrónica que o Brasil adoptou há quase três décadas, quando todas as sondagens dão ao seu principal opositor, Lula da Silva, hipótese de vencer logo à primeira volta.
O antigo presidente brasileiro poderá vencer as eleições presidenciais logo à primeira volta, que se realizam no domingo, de acordo com uma sondagem divulgada na quinta-feira pelo instituto datafolha.
Lula lidera a corrida com 50% dos votos válidos, ou seja não contabilizando os votos brancos e nulos, critério utilizado pelas autoridades eleitorais para contabilizar o resultado da eleição, o que o mantém com a possibilidade de vencer logo no domingo.
De acordo com a sondagem, realizada entre terça-feira e quinta-feira e que tem uma margem de erro de dois pontos percentuais, Bolsonaro, segue em segundo com 36% dos votos válidos.