E com esse cessar-fogo, que fontes próximas das negociações que envolvem Israel, o Qatar, como representante do Hamas, o Egipto e os Estados Unidos, citadas pelas agências, está pendente de pormenores, o mundo poderá voltar a respirar de alívio, porque é a fogueira de Gaza que está a dispersar faíscas perigosas pela vasta e complexa região do Médio Oriente.

Para que as coisas fiquem claras, quando o conflito de Gaza terminar com um acordo que permita uma paz, mesmo que relativa, prolongada, a ameaça de uma guerra aberta entre o Irão e os Estados Unidos deixa de ter chão para evoluir, como, neste momento tem e cresce a cada dia que passa.

Para já, como está a ser noticiado esta manhã de 1uarta-feira, 07, pelas agências de notícias internacionais, depois de Israel ter dito que estava disponível para avançar para um cessar-fogo assente na troca de reféns que estão retidos em Gaza deste 07 de Outubro, o Hamas veio dizer que tem essa disponibilidade mas delimita a aceitação ao cumprimento de três etapas.

Etapas essas que são, segundo foi dito pelo Hamas aos mediadores árabes nas negociações, o Qatar e o Egipto, passam pela (1) troca de detidos de um e do outro lado; (2) a retirada das forças militares israelitas de Gaza e o (3) avanço de um sólido e garantido plano de reconstrução do território.

Depois de quatro visitas-relâmpago à região desde 07 de Outubro, quando os combatentes do Hamas e da Jihad Islâmica invadiram o sul de Israel, deixando um rasto de destruição e mais de 1200 mortos , nesta 5ª deslocação, o secretário de Estado norte-americano está à beira de conseguir um dos maiores sucessos para a diplomacia dos Estados Unidos na região em muitos anos, embora o mérito tenha de ser repartido pelo Qatar e pelo Egipto, directamente, mas também pela Jordânia e pela Arábia Saudita, cujo papel nos bastidores é reconhecido.

Para hoje, depois de ter passado pelo Qatar, Arábia Saudita e Egipto, está previsto um encontro de Blinken com o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyhau, em Telavive, que pode ser o momento-chave destas negociações.

As dificuldades do chefe da diplomacia dos EUA não são poucas, até porque Benjamin Netanyhau tem um Governo sustentado por radicais ultra-ortodoxos religiosos e políticos de extrema-direita sionista, com destaque para Yariv Levin, ministro da Justiça, Yoav Galant, da Defesa, ou o das Finanças Bezalel Smotrich, entre outros, que defendem, entre outras bizarrias, a expulsão de todos os palestinianos de Gaza, a expansão dos colonatos ou ainda o abate indiscriminado de civis em Gaza.

Estes radicais não valem apenas pelas suas posições sobre a Palestina e sobre o conflito, são especialmente relevantes porque sem o apoio dos seus pequenos partidos extremistas, o Governo liderado pelo Likud do primeiro-ministro Netanyahu cairia logo depois, deitando por terra qualquer esforço de resolução desta guerra.

E é nesse estreito patamar de incerteza que Antony Blinken está agora obrigado a caminhar, convencendo os partidos ultra-ortodoxos e sionistas, que, em síntese, é um movimento que defende que toda a Palestina é hebraica e nela não existe espaço para palestinianos islâmicos, sendo Israel a única entidade permitida neste vasto território entre o Mediterrâneo e o Rio Jordão, havendo ainda ramificações extremas de imposição desta visão no resto do mundo através da pressão económica e militar sem freio.

Para já, há um ponto das condições do Hamas que o Governo israelita, por pressão clara destes extremistas, que Benjamin Netanyhau tem vindo a recusar, que é abandonar os dois objectivos traçados para as Forças de Defesa de Israel (IDF) que são a destruição total do Hamas, de forma a que os seus combatentes não voltem a ameaçar Israel, e a libertação de todos os mais de 200 prisioneiros levados para Gaza a 07 de Outubro, sendo que destes mais de 100 já terão sido libertados ou mortos nos bombardeamentos israelitas sobre o território.

Ora, estes objectivos são o oposto a uma retirada das IDF de Gaza e a reconstrução física do território terraplanado quase a 100% pelos bombardeamentos israelitas nestes quatro meses, como exige o Hamas para assinar o acordo de cessar-fogo com Telavive.

E é por isso que se aguarda agora pela "magia" diplomática de Washington, embora a varinha mágica de Blinken, das primeiras quatro visitas à região no pós-07 de Outubro, tenha mostrado falta de alcance, o que pode levar os EUA a passarem da conversa aos actos, como, por exemplo, o Presidente Joe Biden parece estar disponível, depois de um raro decreto Presidencial onde aplica sanções a lideres israelitas radicais dos colonatos na Cisjordânia devido à sua relutância em travar a expansão ilegal do Kibutz.

A motorizar a acção de Blinken estão dois elementos-chave que podem levar a esse esforço suplementar. O primeiro, é que a campanha eleitoral nos EUA está a mostrar uma crescente vaga de crítica popular a Israel, contra aquilo que é normal na sociedade norte-americana, e Joe Biden tem sido especialmente visado nas suas acções de pré-campanha para as eleições de 05 de Novembro.

E em segundo, surge a prioridade norte-americana de restabelecer os laços diplomáticos entre os países arábes da região, especialmente a Arábia Saudita, e Israel, o que é estrategicamente vital para Washington na sua batalha global de influência contra a China e a Rússia, apostados que estão Pequim e Moscovo na substituição da actual ordem mundial liderada pelos EUA por uma outra multipolar e fora da órbita de comando ocidental.

Entretanto, em Gaza, a destruição e morte soma e segue, com o avanço agora da incursão israelita para o sul do território, incidindo os ataques nas cidades de Khan Younis e Raffah, deixando de norte para sul um resto de destruição que se mede por mais de 28 mil mortos, 70 mil feridos, entre o conjunto, mais de 70% crianças e mulheres, numa população de 2,3 milhões de pessoas confinadas a uma geografia de 365 kms2 compreendida numa faixa de 40 kms por nove de largura, onde mais de 1,2 milhões vivem actualmente sem tecto e a fome, a falta de água potável, de medicamentos e as doenças infecciosas ganham dimensão a cada hora que passa.

A isto, juntam-se recordes macabros como a morte de mais de 150 jornalistas, muitos deles alvejados deliberadamente pelas IDF, a morte de mais de 200 funcionários da ONU ao serviço da agência para os refugiados da Palestina (UNRWA), que viu os aliados ocidentais de Israel - EUA, Alemanha, Reino Unido, Itália... - deixarem de a financiar depois de Telavive acusar 10 dos seus mais de 30 mil colaboradores de terem pactuado com o Hamas na operação de 07 de Outubro sem terem sido apresentadas quaisquer provas, mas afectando de morte o trabalho desta indispensável organização humanitária.