Os últimos dias foram exemplares para perceber o perfil de Yahya Jammeh, o Presidente da Gâmbia, que chegou mesmo a dizer que iria governar por "um milhão de anos se essa for a vontade de Allah".
Depois de aceitar, surpreendendo o mundo, a vitória do seu opositor, Adama Barrow, nas eleições de 01 de Dezembro, deu o dito por não dito, recusando-se a deixar o poder, anulou arbitrariamente as eleições e exigiu que a comissão eleitoral, que tinha validado os resultados, organize outro processo eleitoral.
Nos 22 anos de poder no pequeno país, entalado no Sul do Senegal, na África Ocidental, com escassos 1,8 milhões de habitantes, Jammeh ostenta um currículo que em nada pode ser considerado exemplar: depois de chegar ao poder através de um golpe de Estado em 1994, fez-se eleger em 1996 numas eleições duvidosas para a maior parte dos observadores e o mesmo aconteceu nos subsequentes processos eleitorais...
Pelo meio abandonou o Tribunal Penal Internacional, deixou de ser membro da Commonwealth, declarou a Gâmbia, uma antiga colónia britânica, independente desde 1965, uma República islâmica, mandou prender jornalistas, opositores, aceitou que estes fossem sujeitos, segundo organizações internacionais de Direitos Humanos, a tortura...
Mas, apesar disto tudo, o mundo estava prestes a elogiar em uníssono o Presidente Jammeh, porque estava quase a protagonizar um momento único na conturbada história do país: se tivesse cumprido a palavra dada, aceitando os resultados, saído de cena para dar lugar a Adama Barrow... seria a primeira vez desde 1965 que uma transição de poder ocorreria de forma pacífica na Gâmbia.
Tal não aconteceu e agora existe mesmo o risco de a Gâmbia enfrentar uma intervenção militar, depois de a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), ter enviado uma missão de peso a Banjul, capital do país, liderada pela Presidente Sirleaf, da Libéria, para convencer Jammeh a sair, a bem, do poder.
O encontro não correu bem, não houve acordo e o que se seguiu foi um chorrilho de ameaças. A CEDEAO admite uma intervenção. Mas o mais sério avisou chegou da ONU, quando Mohammed Ibn Chambas, enviado especial do SG das Nações para a África Ocidental, garantiu que "o fim de Jammeh é este e em nenhumas circunstâncias possíveis ele poderá continuar a ser Presidente".
Chambas admitiu ainda que pode não ser necessária uma intervenção militar mas sublinhou, em declarações à imprensa, após a reunião de Jammeh com a CEDEAO, que "essa ponte pode ter de ser atravessada" se a razão e o bom-senso não vingarem.
A isto, e ao seu estilo, Jammeh mandou o exército colocar-se ao longo das estradas, empilhando sacos de areia e montando postos de controlo com militares fortemente armados, deixando um aviso à navegação: "se vierem (intervenção militar externa) para a terra dos meus antepassados, a Gâmbia será um cemitério para os vossos soldados".
Não é so, todavia, com a questão externa que tem de se preocupar, porque segundo o Presidente eleito, Adama Barrow, não será tolerado que a vontade popular não seja respeitada.
Fica, por fim, sem se perceber o que levou Yahya a voltar com a palavra atrás. Segundo a imprensa, correm duas versões. A primeira é que Jammeh, após aceitar a derrota, foi ameaçado de que será perseguido pelo seu passado violento e desrespeito pelos direitos humanos; a outra é que terá aceitado a derrota numa momentânea perda de lucidez e desnorte provocado pelo inesperado resultado eleitoral.
Nos próximos dias saber-se-á o desfecho deste filme, que nas últimas décadas foi visto em muitos países pelo mundo fora, especialmente em África. Facto pelo qual a União Africana já avisa há anos que não tolerará excepções ao respeito rigoroso pelas regras constitucionais.
Muitos analistas apontam que a atitude de Jammeh não mais é que um golpe de Estado porque a comissão eleitoral, que é quem legalmente proclama o vencedor, já tinha apontado Adama Barrow como Presidente eleito.