Nalguma imprensa europeia, Recep Erdogan foi tratado durante toda a campanha eleitoral, incluindo na primeira volta, cuja ida às urnas foi há 15 dias, como "o Sultão" que estava a ser desafiado pelo liberal e com menos apetite pelo poder musculado Kemal Kilicdaroglu, cujo maior triunfo foi ter conseguido levar o poderoso Presidente a uma segunda volta.
Estas eleições, que não foram, de facto, uma surpresa, teve ainda como particularidade terem sido pista de corrida para o grande jogo de xadrez global, com os ocidentais, europeus e norte-americanos, a apostarem em Kilicdaroglu, enquanto o eixo Moscovo-Pequim, embora os russos de forma mais evidente, meteram as fichas quase todas em Erdogan.
E não foi sem esforço que o "Sultão" conseguiu manter o poder, que já é seu desde 2004, primeiro, como primeiro-ministro, até 2014, e depois como Presidente, cargo que vai manter agora, com 69 anos, por mais cinco anos, tendo conseguido mesmo ultrapassar a difícil situação em que estava com as falhas que lhe são apontadas no processo de reconstrução nas regiões afectadas pelo sismo de 06 de Fevereiro, que causou mais de 50 mil mortos, incluindo na vizinha Síria.
O também fundador, em 2001, do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), não perdeu tempo para se dirigir aos turcos depois de confirmada a reeleição, com 52,10 por cento, afirmando que foi "com o apoio do povo" que conseguiu a vitória e que agora vai "fazer tudo para ser merecedor desta confiança renovada" como foi sempre nos últimos 21 anos, afirmando-se como Presidente dos 85 milhões de turcos.
Mas sabe que a tarefa que tem pela frente não vai ser fácil, desde logo a hiperinflação - mais de 50% - em que a Turquia está mergulhada, o que o levou a afirmar, neste seu primeiro discurso, que a sua principal prioridade é agora "combater os preços altos criados pela inflação e compensar as perdas sentidas pela população no seu bem-estar durante os últimos meses".
Embora sem esquecer que o país continua a enfrentar a hercúlea tarefa de reconstruir as regiões onde o sismo deixou um rasto de destruição, protendo alocar a esse esforço todos os meios possíveis do Estado.
Onde Erdogan tem mais palco para brilhar é na política externa, especialmente devido ao seu papel de mediador equidistante no conflito na Ucrânia-Rússia, com um protagonismo decisivo na questão dos cereais do Mar Negro, cujo acordo, denominado Iniciativa do Mar Negro, permitiu, em Julho de 2022, criar um corredor para a exportação de grãos ucranianos através do Mar Negro.
Este acordo incluiu, além de Moscovo e Kiev, a ONU e a Turquia, e tanto Erdogan como o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, têm agora em mãos a batata quente de garantir que a parte prometida aos russos, de levantamento das sanções que incidem sobre o seu corredor das exportações de cereais e fertilizantes, aconteça de facto, de forma a garantir a sua renovação dentro de aproximadamente 60 dias.
Outra das tarefas da Turquia e ONU é garantir que os cereais, cujo desbloqueamento foi conseguido depois de uma tremenda campanha mediática sob a égide da garantia dos cereais para as populações africanas em stresse alimentar grave alegadamente devido à guerra, sigam agora efectivamente para África e outras regiões em dificuldades alimentares, porque, como se tem visto, a esmagadora maior parte destes grãos e subprodutos, como o óleo de soja e de milho, têm sido canalizados para os países mais ricos, incluindo a vergonhosa situação de a Espanha ser dos mais beneficiados para alimentar com eles os seus porcos.