Por um lado, está a conhecida partidocracia que franqueou as portas da administração pública e das lideranças a incompetentes e gente sem mérito. Vendo com realismo, este é dos menores dos nossos problemas, comparado com a podridão criada pelas teias da corrupção, compadrio e falta de transparência, que minaram as lideranças políticas e religiosas. Quebrou-se a figura do indivíduo com autoridade moral, alguém sem telhados de vidro, que possa falar alto e bom som sem temer que o cuspo lhe caia em cima. O lado quase criminoso de que falávamos é ter-se levado o país ao Estado actual em que todos nós temos, de uma ou de outra forma, telhados de vidro, tiramos benefícios dos excessos do Estado e seus agentes ou com o silêncio, imposto ou negociado, compactuamos com a caminhada para o abismo. Instituições que deveriam ser o garante da legalidade incorrem, elas próprias em ilegalidades; órgãos de justiça fazem autocensura, autodemitem-se de aplicar justiça, mesmo sob pena da descredibilização de todo o sistema. As igrejas, tal como a sociedade civil, ou estão marginalizadas ou também se deixaram corromper. Contam- -se as excepções em menos de meia dúzia.

O resultado é esta profunda crise moral em que vivemos e que não se vai ultrapassar em breves 5 anos. O vencedor das eleições de Agosto terá como um dos maiores desafios a reconstrução do tecido moral da sociedade. Devolver os barões (mais velhos com autoridade moral), já que alguns ainda estão por aí sem que façam ouvir; separar claramente a igreja da promiscuidade actual com a política de modo a que ela possa desempenhar o seu papel de guia espiritual e autoridade moral, devendo acontecer o mesmo com as associações profissionais para que recuperem o perfil técnico profissional na parceria com o Estado. É preciso fazer vingar, de modo claro e inequívoco, o primado da lei, a defesa cega da legalidade e acabar-se com as engenharias jurídicas que desqualificam tanto a política e licenciam engenheiros da interpretação jurídica. Definitivamente, o Estado, a administração pública e os tribunais terão de se converter em exemplos do cumprimento da lei, dos prazos dos mandatos, das respostas no atendimento aos cidadãos, no combate à impunidade. É preciso que as instituições de investigação, fiscalização e cumprimento da lei deixem de visar apenas a corrupção do dia-a-dia, da gasosa e da mão que lava a outra, mas se dediquem à grande corrupção, do grande património em imóveis, dos Porsches e das contas bancárias com números chorudos. Para que se façam novos-ricos dignos e honrados, de que o país precisa, é importante que se deixe de os associar a ladrões e a pessoas que delapidaram os cofres do Estado. Para que as pessoas se esqueçam da origem do dinheiro, é necessário que a sua aplicação assuma responsabilidade social, mas também bom senso e ética. É preciso acabar com a cultura da tolerância da alta corrupção.

(A crónica integral de Ismael Mateus, pode ser lida na edição semanal do Novo Jornal, nas bancas, ou em digital, cuja assinatura pode pagar no Multicaixa)